Na ONU, Brasil consegue aprovar missão para investigar crimes de Maduro
GENEBRA – Uma proposta liderada pelo Brasil foi aprovada pela ONU, criando uma missão com a função de apurar crimes na Venezuela. Por 19 votos a favor, sete contra e 21 abstenções, o governo de Nicolas Maduro será alvo de uma pressão extra, uma estratégia já debatida entre o Itamaraty e o Departamento de Estado nos EUA para "desgastar" o poder em Caracas.
Pelo projeto, fica criada uma missão internacional para coletar dados sobre execuções sumárias, desaparecimentos, detenções arbitrárias e tortura.O projeto ainda estabelece uma condição: caso Maduro não coopere com a missão e se a crise se aprofundar ainda mais, a comunidade internacional voltaria a considerar a criação de uma comissão de inquérito.
Ao defender o projeto, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, apontou que as acusações de seis mil executados, um êxodo de 5 milhões de pessoas e 7 milhões de venezuelanos com necessidades seriam motivos suficientes para estabelecer o mecanismo. "É a nossa responsabilidade e o que as vitimas precisam", afirmou.
Ela lembrou que, pelos corredores na ONU, a proposta foi criticada. Mas insistiu. "Não somos os caras maus", disse.
Jorge Valero, embaixador venezuelano nas Nações Unidas, qualificou o projeto como "hostil" e alertou que a medida pode afetar a mediação que ocorre neste momento por parte da Noruega entre a oposição e governo venezuelano.
O diplomata não poupou críticas ao Brasil e ao restante do Grupo de Lima. "São países que seguem ao pé da letra as instruções da Casa Branca. São súditos de Trump", afirmou.
Ele ainda criticou diretamente o presidente Jair Bolsonaro, lembrando que o brasileiro é quem "justifica ditaduras" e aplaude a morte do pai de Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos, e executado pelo governo de Augusto Pinochet.
Ele também alertou que não aceita tal iniciativa de um país que "mata indígenas e defensores de direitos humanos. "Esses governos não tem moral. É para eles que deveria ser criada uma comissão de investigações", disse.
Para Cuba, a resolução segue o caminho que Washington quer impôr de "mudança de regime" na região e a "escolha pela confrontação". "É falsa e hipócrita a preocupação desses países pelos direitos humanos na Venezuela", disse.
Uruguai e México optaram pela abstenção, enquanto os europeus votaram a favor do projeto.
Ceder
Para conseguir a aprovação da resolução e os votos necessários, porém, o Brasil teve de ceder em relação a seu projeto inicial. A ideia original era a de criar uma comissão de inquérito internacional para investigar os crimes cometidos por Nicolas Maduro.
Tal medida colocaria a situação da Venezuela no mesmo patamar de Síria, Mianmar, Coreia do Norte e Sudão. Além de investigar os crimes, o Brasil queria que a comissão também designasse os autores das violações, abrindo a possibilidade para que fossem levados a tribunais internacionais. Dentro de um projeto americano mais amplo, essa iniciativa ajudaria a colocar pressão sobre Maduro.
Diante da oposição de países europeus e diversos latino-americanos, o Itamaraty teve de flexibilizar sua posição e aceitar apenas o envio de uma missão com um perfil mais restrito.
A delegação brasileira, conforme o blog revelou, recebeu uma orientação do governo americano para apresentar a resolução e o texto acabou se transformando em uma iniciativa do Grupo de Lima.
Mas o projeto do Departamento de Estado, usando o Itamaraty, ameaçou não ser aprovado e a resolução acabou sendo modificada.
A proposta original não era bem-vista nem pela ONU e nem por diversos governos democráticos, como Espanha e mesmo a Itália. O argumento da oposição ao texto era de que, ao criar a comissão, Maduro poderia romper definitivamente com a ONU, justamente no momento em que a entidade conseguiu abrir um escritório em Caracas para monitorar as violações de direitos humanos.
O temor da cúpula da Europa é de que, com um rompimento, seu escritório seja fechado, impedindo o acompanhamento dos casos. Maduro, ao mesmo tempo, não permitiria a entrada da comissão de inquérito e o resultado seria a incapacidade da comunidade internacional de saber o que ocorre dentro da Venezuela.
Entre os europeus, outra preocupação tem relação com o impacto que tal comissão poderia gerar nos esforços de mediação entre a oposição venezuelana e o regime de Maduro. Nos últimos meses, o governo da Noruega passou a organizar esse diálogo, ainda que sem êxito por enquanto. Com a criação de uma comissão de inquérito que denuncie Maduro por crimes, a Europa acreditava que esse esforço de encontrar uma solução política teria de ser abandonado.
Missão
A opção foi a de aceitar a recomendação da Europa, que prevê apenas o envio de uma missão para a Venezuela para coletar dados sobre execuções sumárias, desaparecimentos, detenções arbitrárias e tortura.
No meio diplomático, o envio de uma "missão de apuração de fatos" (Fact Finding Mission) não representa o mesmo nível de pressão que uma comissão de inquérito internacional, aberta a investigar todos os aspectos da crise na Venezuela e de forma permanente.
O projeto ainda estabelece uma condição: caso Maduro não coopere com a missão e se a crise se aprofundar ainda mais, a comunidade internacional voltaria a considerar a criação de uma comissão de inquérito.
Do lado de Caracas, a medida proposta no novo texto continua sendo inaceitável e Maduro contará nos próximos dias com o lobby de governos como o da Rússia, China, Cuba, África do Sul e outros que tentaram convencer países a, pelo menos, se abster na votação.
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