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Jamil Chade

“O silêncio do estado é uma violência”, diz viúva de Marielle

Jamil Chade

27/07/2019 07h13

Monica Benício já denunciou na ONU as violações aos direitos humanos das políticas de segurança. Foto: Jamil Chade. Fev 2019

 

500 dias depois da execução da vereadora Marielle Franco, sua viúva Mônica Benício revela que ministro da Justiça, Sérgio Moro, nunca atendeu a seu pedido por audiência. Neste sábado, Marielle completaria 40 anos de idade. 

GENEBRA – A ativista Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, denuncia o silêncio do estado brasileiro diante da morte da vereadora, que neste sábado completa 500 dias sem uma resposta sobre os mandantes da execução. Marielle, neste 27 de julho, também completaria 40 anos de idade.

Em entrevista ao blog, Mônica defendeu que o assassinato cometido em 14 de março de 2018 seja tratado como um crime político.

"Sabemos que esse silêncio nos diz muito", disse. "O que temos certeza é a ausência de uma resposta concreta do Estado brasileiro sobre quem mandou matar Marielle", afirmou.

"Eu vivo esse silêncio, que é uma violência para mim e toda sociedade, por meio de uma contagem pública que faço de todos esses dias. Mais um dia e mais uma noite na data de aniversário da Marielle se completam exatos 500 dias sem a minha mulher. 500 dias sem uma resposta do Estado Brasileiro", atacou.

Mônica deixa claro que esse silêncio não é apenas relativo às investigações, que levaram à prisão de dois suspeitos e que, desde então, não teria avançado na busca dos mandantes.

"Até agora o presidente da República não se manifestou sobre o crime e seu ministro da Justiça ignorou meus pedidos de audiência. Por qual motivo será que isso ocorre?", questionou.

"A seletividade da da Justiça hoje no Brasil mais do que descarada é evidente", disse. "Um caso tão importante e emblemático quanto esse se arrasta por mais de um ano enquanto outros são resolvidos em tempo recorde. A minha dor pela perda de minha companheira hoje é proporcional a minha vergonha da Justiça brasileira", afirmou. "Acredite, é enorme", insistiu.

Questionada se acreditava no envolvimento de pessoas do alto escalão do poder no crime ou pelo menos na tentativa de abafa-lo, a ativista diz que essa é sua percepção.

"Eu vivo num país que não precisa ter provas, basta ter convicção", disse. "Minha convicção é de que obviamente existe alguém poderoso politicamente responsável por tudo isso", afirmou.

Mas ela alerta que não vai desistir. "Eu não me importo, eu não vou medir esforços nem descansar um dia se quer para que o responsável por isso, independente de quem seja, responda na Justiça pelo que fez. A democracia do Brasil precisa disso", defendeu.

"Não é responsável levantar acusações, mas entendo que trata-se de um crime político. Uma vereadora brasileira foi executada e para além de respondem quem matou Marielle, precisamos responder o motivo", disse.

"O Brasil é um dos países mais inseguros para defensores de direitos humanos e essas respostas precisam ser dadas para que esse contexto de violência seja superado", completou.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)