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Jamil Chade

J. Gilberto teve a insensatez de transformar a imagem do Brasil no mundo

Jamil Chade

07/07/2019 00h25

 

Sua criação deu um rosto moderno, apaixonado e sofisticado a um país que buscava seu lugar no mundo, num breve momento de euforia democrática.

 
GENEBRA – A sinuosa música que brotou dos violões de João Gilberto entre os anos 50 e 60 não apenas revolucionou a arte no país. Não é exagero dizer que aquele toque teve a insensatez de transformar a imagem do Brasil no mundo.

Um país amarrado ainda em complexos e que lutava por ser reconhecido entre os grandes passara a contar com aquela síncope – e seus geniais cúmplices – como um atalho sem igual para se impôr da maneira mais eficiente de todas: a sedução.

Era um momento de euforia, uma brecha democrática na história. E esse período ganhou um "sound track" universal.

Chega de Saudades e tantas outras canções são hoje patrimônio da humanidade. E o Brasil é o Brazil em grande parte graças a elas. Essa coleção de tons foi parte de uma "Quiet Revolution", foi o traço de um período que levou uma parte do mundo a querer ser brasileiro.

O Brasil propunha um projeto modernizador, influenciando o jazz, resgatando Debussy, dando sentido às ondas do mar, e até colocando Ipanema no mapa mundi.

Quem nunca ouviu um saudoso estrangeiro arriscar cantarolar "Tall and tan and young and lovely"?

Depois de Yesterday, consta que Garota de Ipanema seria a segunda canção mais executada naquele século. (Consta também que um bem-humorado Tom apenas comentou: "mas eles eram quatro", ao saber que a música dos Beatles superava sua composição).

A Bossa Nova foi um dos maiores ato de política externa do país e, sem perceber que estava de mãos dadas com o futebol e a Niemeyer, transformou a imagem que o mundo fez do Brasil e nos colocou como um dos marcos do século XX.

Será que foi por acaso que, na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, um dos momentos de auge da festa foi o andar da Garota de Ipanema? E que os mascotes foram Tom e Vinícius?

O que João Gilberto fazia, portanto, não era apenas interpretar canções. Mas sim transforma-las em "partituras de identidade" de um país.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)