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Jamil Chade

Estrutural, racismo permeia todas as áreas da sociedade brasileira

Jamil Chade

13/05/2019 18h44

 

Neste dia 13 de maio, o óbvio precisa ser dito: o racismo no Brasil é estrutural, institucionalizado e permeia todas as áreas da vida no País. Pior cego, já diziam, é o que não quer ver.

Todos os dados contradizem de forma categórica o que o presidente Jair Bolsonaro disse na semana passada. Numa recente entrevista, ele estimou que o racismo é "coisa rara" no País e se queixou de que "já encheu o saco" esse papo de jogar negros contra brancos, pais contra filhos, etc.

O que "encheu o saco", senhor presidente, é descobrir que o "mito da democracia racial" ainda existe na sociedade brasileira e que parte dela, inclusive o chefe de governo, ainda nega a existência do racismo.

O que "encheu o saco" é a constatação de que os negros no País são os que mais são assassinados, são os que tem menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menor acesso à saúde, são os que morrem mais cedo e tem a menor participação do PIB. Mas são os que mais lotam as prisões e os que menos ocupam postos nos governos.

Da última vez que publicou um raio-x da situação do racismo no Brasil, em 2014, a ONU alertou que um dos maiores obstáculos para lidar com o problema era que muitos atores da sociedade ainda subscreviam ao mito da democracia racial. A entidade alertava que isso era "frequentemente usado por políticos conversadores para descreditar ações afirmativas".

"O Brasil não pode mais ser chamado de uma democracia racial e alguns órgãos do estado são caracterizados por um racismo institucional, nos quais as hierarquias raciais são culturalmente aceitas como normais", destacou a ONU.

A entidade sugeria que a sociedade brasileira desmontasse "a ideologia do branqueamento que continua a afetar as mentalidades de uma porção significativa da sociedade".

Já naquele momento, a ONU indicava que faltava dinheiro para que o sistema educativo reforçasse aulas de história da população afro-brasileira, um dos mecanismos mais eficientes para combater o "mito da democracia racial".

O racismo ainda afeta a capacidade da população negra em ter acesso à Justiça. "A negação da sociedade da existência do racismo ainda continua sendo uma barreira à Justiça", declarou, apontando que mesmo nos casos que chegam aos tribunais, a condenação por atos racistas é dificultado "pelo mito da democracia racial".

Para chegar à sua conclusão, a ONU apresentou dados sobre a situação dos negros no País. Apesar de fazer parte de mais de 50% da população, os afro-brasileiros representam apenas 20% do PIB. O desemprego é 50% superior ao restante da sociedade e a renda é metade da população branca.

A expectativa de vida para os afro-brasileiros seria de apenas 66 anos, contra mais de 72 anos para o restante da população. Mesmo no campo da cultura, a participação desse grupo é apenas "superficial" e as taxas de analfabetismo são duas vezes superiores ao restante da população.

A violência policial contra os negros também chama a atenção da ONU; que apela à polícia para que deixe de fazer seu perfil de suspeitos baseado em cor. Em 2010, 76,6% dos homicídios no país envolveram afro-brasileiros.

"Uma das grandes preocupações é a violência da polícia contra jovens afro-brasileiros", indicou. "A polícia é a responsável por manter a segurança pública. Mas o racismo institucional, discriminação e uma cultura da violência levam a práticas de um perfil racial, tortura, chantagem, extorsão e humilhação em especial contra afro-brasileiros", disse.

"O uso da força e violência para o controle do crime passou a ser aceito pela sociedade como um todo porque é perpetuada contra uma setor da sociedade cujas vidas não são consideradas como tão valiosas", criticou a ONU. Os peritos apontam que avaliam esse fenômeno como "a fabricação de um inimigo interno que justifica táticas militar para o controle de comportamentos criminosos".

"O direito à vida sem violência não está sendo garantido pelo estado para os afro-brasileiros", insistiu o informe.

Portanto, o que "encheu o saco", senhor presidente, é descobrir que essa realidade parece querer ser ignorada pelo governo. Com sua negação dos fatos, o "mito" não apenas perpetua o "mito da democracia racial", mas também justifica o racismo estrutural.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)