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Jamil Chade

Transferir embaixada para Jerusalem violaria direito internacional

Jamil Chade

31/03/2019 08h35

GENEBRA – A grandeza de Jerusalem é também seu maior problema. A constatação era de Umberto Eco. Mas, agora, a frase parece estar sendo compreendida pela nova diplomacia brasileira,  guiada por explosões ideológicas.

Jair Bolsonaro prometeu transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalem. Com isso, queria agradar aos americanos, israelenses e, acima de tudo, ao seu eleitorado evangélico.

Mas descobriu que o mundo não é para amadores. Muito menos Jerusalem. Nos últimos dias, o governo Bolsonaro insinuou que a promessa não seria cumprida exatamente da forma que havia dito. No lugar de uma embaixada, talvez apenas um escritório comercial.

Como ocorre em diversos outros setores de seu governo, Bolsonaro entendeu que cumprir uma promessa como a de transferir a embaixada para Jerusalem seja mais difícil que os diplomatas amadores que bajulam o presidente pensavam.

Ainda assim, se o Brasil tomar tal postura, não apenas estará comprando uma briga com os países árabes e seus rentáveis mercados. A realidade é que o governo estará violando o direito internacional.

Em dezembro de 2017, o governo brasileiro de Michel Temer foi um dos 128 países que apoiou uma resolução na ONU condenando a decisão de Donald Trump de transladar sua capital em Israel para Jerusalem. Segundo o texto aprovado, uma decisão de qualquer governo questionando o status da cidade deve ser considera como "nula e inválida".

Ao estabelecer a criação do Estado de Israel, depois da Segunda Guerra Mundial, a ONU também indicou que Jerusalem deveria ser mantida como "corpus separatum", uma espécie de status internacional. Na guerra entre 1948 e 1949, a cidade foi dividida entre o setor Ocidental e Oriental, esta com uma população palestina.

Em 1967, Israel ocupou Jerusalem Oriental, incluindo locais santos para as três religiões monoteistas. 13 anos depois, o Parlamento Israelense votou sua anexação, algo que a comunidade internacional rejeitou e passou a defender que o estatuto final da Cidade Santa deve ser parte de uma acordo de paz definitivo. Para os palestinos, a cidade também seria a capital de seu futuro estado soberano.

Uma eventual decisão de Bolsonaro de transferir a embaixada significaria que o Brasil aceitaria a ideia de que Jerusalem é a capital israelense, e não mais uma reivindicação palestina.

Mas o Brasil ainda iria contra diversas resoluções aprovadas pela ONU ao longo dos últimos 50 anos e que tinham como objetivo evitar que Israel declare soberania completa sobre a cidade.

Em 22 de novembro de 1967, por exemplo, a resolução 242 determinou que Israel retirasse suas forças dos territórios ocupados na guerra daquele ano, incluindo do lado Oriental de Jerusalem. Um ano depois, a ONU passaria a resolução 252 ordenando Israel a acabar com "ações que tendam a mudar os status de Jerusalem".

Em 1 de março de 1980, foram mais duas resoluções aprovadas e ambas pedindo a Israel para impedir a construção em territórios ocupados, inclusive em Jerusalem. Em 20 de agosto, a resolução 478 condenava Israel por mudar o status de Jerusalem e apelava a governos que tivessem suas embaixadas na Cidade Santa que as removessem.

Segundo o texto, o Conselho de Segurança da ONU decidiu que "aqueles estados que estabeleceram missões diplomáticas em Jerusalem deverem retira-las da Cidade Santa".

Desde então foram pelo menos mais cinco resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança contra Israel e que tocava diretamente na condição de Jerusalem.

Em 2018, foi o governo do Paraguai que optou por rever sua decisão de levar a embaixada para Jerusalem. O presidente Mario Abdo decidiu anular a iniciativa do ex-presidente Horácio Cartes que, no final de seu mandato, modificou o local da embaixada em Israel. O primeiro-ministro israelense, Benjamín Netanyahu, decretou em retaliação o fechamento da embaixada de Israel em Assunção.

O chanceler paraguaio, Luis Alberto Castiglioni, explicou que a mudança de rumo ocorreu diante da necessidade de "respeitar o direito internacional" e que Cartes havia tomado uma decisão "visceral e sem fundamento". O temor ainda de Assunção era de que a medida isolasse o país na comunidade internacional.

Jerusalem, ao longo de sua história foi destruída pelo menos duas vezes, atacada outras 52 vezes, sitiada por 23 ocasiões e capturada e recapturada outras 44 vezes.  Um capitão, portanto, deveria saber que um lugar carregado por tanta história religiosa e militar não é exatamente um espaço para a diplomacia populista.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)