Topo

Jamil Chade

Venezuela teme ação militar conjunta após encontro entre Trump e Bolsonaro

Jamil Chade

20/03/2019 10h48

Suspeita de negociadores venezuelanos é de que posição tradicional de militares brasileiros pode ser revista por pressão da Casa Branca e reação de presidente brasileiro. Nesta quarta-feira, na ONU, diplomatas brasileiros abandonaram a sala de reuniões quando representantes de Maduro tomaram a palavra. 

GENEBRA – A cúpula do governo de Nicolas Maduro teme que o presidente Jair Bolsonaro possa tentar demonstrar uma aliança com o governo americano e apoiar uma intervenção militar na Venezuela.

Em Caracas e nos altos cargos da diplomacia venezuelana, a atitude do brasileiro em Washington foi interpretada como um sinal de que Brasília pode dar apoio a uma eventual ação de soldados estrangeiros em seu território.

Durante o encontro com Donald Trump no Salão Oval, Bolsonaro tratou da questão da Venezuela. Aos jornalistas, o americano disse que "falava pelos dois países" ao se referir que "todas as opções continuam sobre a mesa".

Mais tarde, durante uma coletiva de imprensa, Bolsonaro voltou a ser questionado sobre o uso de armas na Venezuela. Ao contrário de militares brasileiros, ele não descartou a opção. "Tem certas questões que, se você divulgar, deixam de ser estratégicas."

"Assim sendo, essas questões se forem discutidas, se já não foram, não podem ser divulgadas", disse. "Se por ventura, vierem à mesa, certas medidas não podem ser tornadas públicas." Em entrevista ao blog, um dos principais embaixadores venezuelanos admitiu, na condição de anonimato, que a viagem de Bolsonaro nesta semana foi recebida com "extrema preocupação".

Na ONU, nesta quarta-feira, a diplomacia brasileira voltou a sinalizar que uma operação militar não seria a saída

"O Brasil reitera sua convicção em uma transição pacífica para a democracia, e apoia o governo de Juan Guaidó", declarou a embaixadora do Brasil na ONU, Maura Nazareth Farani Azevedo, durante uma reunião no Conselho de Direitos Humanos. "Pedimos que a comunidade internacional faça o mesmo", disse.

Mas, para Caracas, a leitura que se fazia do comportamento brasileiro era de que o governo em Brasília estava dividido no que se refere a uma ação militar. A segurança dos venezuelanos eram os militares brasileiros, avessos a uma operação. Em especial, o vice-presidente Hamilton Mourão era considerado como um pilar de uma estratégia mais moderada.

"Mas sabemos que o Brasil tem um presidente instável e que pode querer dar uma demonstração a Donald Trump de que o país está disposto a tudo para agradar ao novo aliado", disse o diplomata. A suspeita é de que, em Washington, o presidente americano tenha pressionado Bolsonaro a convencer a seus militares da necessidade de uma ação.

"Vemos com muita preocupação (o resultado da reunião). Evidente que seu presidente (Bolsonaro) tenta se aproximar ao império e seguir as ordens de Trump", declarou o embaixador da Venezuela na ONU, Jorge Valero.

Se o Brasil se aliar à estratégia de uma operação, os venezuelanos consideram que a opção de uma invasão pode ganha força. Do lado colombiano da fronteira, já existiriam oito postos militares que poderiam servir de base. Caracas teria informações de que Bogotá estaria disposta a apoiar uma ação.

Na ONU, nesta quarta-feira, a crise na Venezuela foi alvo de um debate. A alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, alertou que a crise no país sul-americano se transformou em um fator "desestabilizante" na região.

Segundo ela, existem suspeitas de que as forças do governo tenham executado pelo menos 205 pessoas em 2018. Outros 37 podem ter sido mortos em janeiro de 2019. Bachelet alertou que esses casos têm sido relatado pelas autoridades como sendo resultado de troca de tiros. Mas, na maioria das vezes, as vítimas não estavam armadas.

A chilena ainda aponta como procuradores se recusaram a abrir investigações. "Essas pessoas moram em bairros pobres e participavam de protestos contra o governo", disse, alertando para o risco de que isso seja uma forma de intimidação em relação a qualquer um que ouse questionar o governo. Ela ainda fala em tortura, sequestros e ameaças.

Bachelet também indicou que a situação econômica e social tem se deteriorado de forma dramática desde junho de 2018 e criticou o governo por não reconhecer a dimensão dos problemas. De acordo com a chilena, o apagão das últimas semanas em Caracas reduziu ainda mais o acesso a alimentos, água e remédios, além de afetar hospitais.

"A dimensão dos danos e o número de fatalidades ainda não são conhecidos. Mas o apagão é um espelho dos desafios que a Venezuela encara", disse, apontando ainda para a hiperinflação e falta de serviços públicos. De acordo com ela, a deterioração dos hospitais levaram a um aumento "significativo" da mortalidade materna e infantil. Além disso, doenças que haviam sido controladas hoje voltaram a afetar o país.

Se não bastasse, mais de 1 milhão de crianças não conseguem mais ir às escolas, em especial diante da incapacidade dos pais de garantir café da manhã ou da falta de programas de alimentação nas escolas. Outro problema é a falta de professores, muitos dos quais abandonaram a Venezuela.

Bachelet deixou claro que a crise começou ainda em 2017. Mas alertou as sanções impostas pelos EUA contra a venda do petróleo venezuelano podem estar contribuindo para "agravar a crise econômica", com possíveis repercussões para a população.

Para a representante da ONU, as divisões estão "exacerbando" a situação já crítica. Ela pediu por um acordo comum para que haja uma solução política e uma ação para atender à população.

Abandono – Nesta quarta-feira, durante uma reunião no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o governo brasileiro voltou a abandonar a sala do debate quando o embaixador da Venezuela, Jorge Valero, tomou a palavra.

O ato, já realizado há três semanas, é uma demonstração de que nem o Brasil e nem o restante do Grupo de Lima reconhecem a diplomacia de Maduro como representante oficial da Venezuela.

No discurso, Valero denunciou a ofensiva americana na Venezuela e indicou que os países sul-americanos estariam sendo instrumentalizados. "Estamos vendo um circo", acusou o embaixador de Cuba, aliado de Caracas.

Havana também alertou para o resultado da reunião entre Trump e Bolsonaro. "Denunciamos um plano intervencionista", declarou.

Depois sair da sala, porém, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, retornou e fez um discurso duro contra Maduro, o acusando de impedir a entrada da ajuda humanitária, tortura e execuções sumárias.

 

Com Trump, Bolsonaro não descarta base dos EUA para intervir na Venezuela

UOL Notícias

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)