O ódio é ensinado
Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o atentado terrorista ocorrido na Nova Zelândia contra muçulmanos, num dos países mais pacíficos do mundo. Mas o que é evidente é a presença de um ingrediente recorrente em atos dessa natureza: o ódio.
Tanto entre os muçulmanos como entre os radicais de direita, não há como tratar tais atos sempre como casos isolados, abandonando o cenário e os incentivos aos quais que esses criminosos são expostos.
Se não existe um risco de uma invasão muçulmana na Nova Zelândia, se o país não está em guerra e se a pobreza não é sequer uma ameaça, de onde viria tanto ódio?
Nos últimos anos, dezenas de intelectuais, políticos e centros especializados passaram a buscar uma resposta a situações parecidas. Quase todos chegaram em uma mesma constatação: a insistência do uso discurso do ódio como instrumento de poder pode, de forma indireta, levar certos integrantes de um grupo na sociedade a passar à ação.
Liderados por pesquisadores na Universidade de Harvard, um grupo de especialistas acompanhou o discurso de líderes políticos e religiosos por anos e chegou a uma conclusão: ninguém nasce odiando o outro. Eles foram ensinados a odiar, por meio de exemplos e pela liderança de certas pessoas que escolheram grupos para transforma-los em inimigos. Nós x eles.
Em diferentes culturas, línguas e religiões, o discurso do ódio pelo mundo tem características similares. A primeira delas é a de promover o medo. O temor de que imigrantes minariam a cultura nacional, por exemplo, foi amplamente usado em eleições por partidos que buscavam a simpatia do eleitorado na Europa.
As pesquisas também revelam que o discurso do ódio frequentemente traz dados e conclusões falsas. São charlatães que vendem soluções a falsos problemas. Tão falso o problema quanto a ideia de que muçulmanos poderiam ser uma ameaça à sociedade na Nova Zelândia.
Dados apontam que a população que pratica o islã na ilha não passa de 1,1% dos habitantes do país. Segundo a Universidade de Waikato, os muçulmanos são, de fato, mais educados e qualificados que a população cristã.
Mas, assim como em vários países do mundo, o discurso anti-imigração também faz parte do cenário da Nova Zelândia. Seria uma enorme irresponsabilidade culpar um partido pelas mortes de hoje. Mas o antídoto ao extremismo precisa partir de uma nova retórica por parte de todos. Ao longo dos anos, os líderes de certos partidos populistas na Nova Zelândia passaram a acusar a imigração asiática de ser um fator que permitia a "importação de atividades criminosas".
Na campanha eleitoral de 2017, eles denunciaram as políticas frouxas dos partidos tradicionais que "permitiram muitas pessoas a entrar" na Nova Zelândia. Eles ainda completaram: a imigração teve um "impacto devastador" na economia do país.
Num post nas redes sociais em janeiro de 2017, um outro político local alertou como a imigração havia atingido "níveis sem precedentes". "Não me surpreende que a população tenha dificuldades para encontrar casas e trabalho", declarou. "Imigração é ótimo para os imigrantes. Eles chegam ao paraíso em comparação ao que tinham. Mas é longe do paraíso para a população local lutando para encontrar uma casa, um trabalho, um lugar no hospital e escolas".
Um ano depois, ele pediu que associações muçulmanas "limpassem suas casas" para evitar a infiltração de eventuais terroristas.
Líderes religiosos e políticos precisam entender que, mesmo sem qualquer intenção criminosa, um discurso como esse tem o potencial de sair do controle quando atinge um grupo da população com princípios instáveis, condições psicológicas vulneráveis e uma educação questionável.
Hoje, diante do ataque terrorista, o choque não foi apenas a quantidade de mortos. Mas também a constatação de que um dos autores era um radical de extrema-direita com cidadania australiana.
Nas imagens das televisões da Nova Zelândia, familiares das vítimas buscavam informações diante da mesquita. Chorando, uma mãe disse: "Somos iraquianos. Mas vivemos aqui há 20 anos".
A horrível ironia é que algumas das vítimas eram refugiados que tinham escapado da guerra para viver em um porto seguro.
O terrorista de fato era estrangeiro. Mas não exatamente do grupo que se imaginava.
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