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Jamil Chade

Raoni, Marielle e Wyllys concorrem ao principal prêmio da UE

Jamil Chade

19/09/2019 07h21

Em Genebra, Raoni se reúne com autoridades locais para pedir apoio à demarcação de terras. Foto: Jamil Chade

 

Num recado contra as políticas de Bolsonaro para meio ambiente e minorias, deputados europeus indicam os brasileiros para principal prêmio de direitos humanos. Ambientalista Claudelice Silva dos Santos também foi mencionada, assim como Jean Wyllys. 

 

 

GENEBRA – Aumentando a pressão sobre o governo brasileiro, um dos maiores blocos de deputados no Parlamento Europeu apresenta os nomes de três brasileiros para receber o prêmio Sakharov, a principal homenagem de direitos humanos da UE. A eleição ocorre pelo legislativo europeu em outubro.

A distinção já havia sido dada para personalidades como Nelson Mandela, Aung San Suu Kyi, Mães da Praza de Maio e Malala, além da oposição venezuelana e dissidentes cubanos anti-castristas.

Os brasileiros são os candidatos da Aliança Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu (conhecida pela sigla S&D), que reune hoje mais de 150 deputados. Segundo o grupo, os indicados "representam vozes a favor dos direitos humanos e da proteção do ambiente".

O cacique Raoni, que voltou a percorrer a Europa por apoio e foi nomeado com um dos candidatos ao prêmio Nobel de 2019, foi indicado por suas "quatro décadas de cruzadas para salvar a sua pátria, a floresta amazônica". "Ele é um símbolo vivo da "luta pela vida" das tribos, uma luta para proteger sua cultura única, que está diretamente ligada à própria natureza", disseram os deputados.

Outra indicada é Claudelice Silva dos Santos, ambientalista e defensora dos direitos humanos. "Ela se tornou uma ativista após o assassinato de seu irmão e cunhada, que foram mortos por seus esforços para combater o desmatamento ilegal e o desmatamento na floresta amazônica brasileira", explicaram os europeus.

De forma póstuma, Marielle Franco também concorre. Os deputados lembram que, como "política brasileira abertamente gay, feminista e ativista de direitos humanos", ela foi "uma crítica da brutalidade policial e das execuções extrajudiciais". Marielle foi executada em março de 2018.

A vereadora também foi indicada pelo grupo de parlamentares de Partidos Verdes na Europa. O bloco ambientalista também se focou no Brasil e colocou em sua lista Jean Wyllys.

A indicação dos brasileiros ocorre em um momento inédito para o Brasil, desde sua redemocratização. Na ONU e na Europa, as políticas de Bolsonaro são criticadas abertamente e sua postura questionada.

 

Bolsonaro

Entre os deputados, não se esconde que a meta das nomeações é também a de denunciar a atual política do governo Bolsonaro. "Durante anos, o Brasil tem sido um dos países mais perigosos das Américas para os defensores dos direitos humanos e, como revelou a Global Witness, também o mais arriscado do mundo para os defensores dos direitos humanos relacionados à terra ou ao meio ambiente", disse Kati Piri, vice-presidente de S&D.
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"A luta desses indicados do Brasil merece ser destacada, pois representam a causa dos defensores ambientalistas e ativistas LGBTI em todo o mundo. Embora os povos indígenas representem menos de 1% da população brasileira, um número desproporcional está sendo morto em conflitos de terra", declarou.

"Desde que o novo regime tomou posse, em janeiro, o governo Bolsonaro estabeleceu um clima de medo para vários defensores dos direitos humanos, adotando medidas que ameaçam os direitos à vida, à saúde, à liberdade, à terra e ao território dos brasileiros", alertou.

"Com nossa indicação, queremos também expressar nosso apoio aos defensores dos direitos LGBTI no Brasil. Pelo menos 420 pessoas da comunidade LGBTI foram assassinadas, incluindo Marielle Franco, ou cometeram suicídio em 2018, alimentados por homofobia e crimes de ódio, segundo o Grupo Gay da Bahia", explicou.

A eurodeputada Isabel Santos, porta-voz do Grupo S&D para os direitos humanos, também explicou a decisão.

"Seria a primeira vez que o Prêmio Sakharov seria atribuído a defensores dos direitos humanos no domínio do ambiente e a um activista LGBTI", disse. "A emergência climática que enfrentamos é razão mais do que suficiente para atribuir este prêmio a pessoas que lutam contra a destruição do nosso planeta e para defender os direitos dos povos indígenas", declarou.

"Cada vez mais ativistas ambientalistas estão perdendo suas vidas e o número de ameaças, assédios e violência contra eles está aumentando a um ritmo alarmante, especialmente no Brasil e nos países do entorno da floresta amazônica", insistiu.

"Este é o momento certo para o Parlamento Europeu tomar uma posição contra este problema. A atribuição do Prémio Sakharov aos nomeados que lutam pelos direitos dos seus povos e pela defesa da sua terra e modo de vida, associados à emergência climática que o nosso planeta enfrenta, é a forma correcta de sensibilizar para todas estas questões", completou.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)