O dia em que a África ajudou a salvar a Europa
GENEBRA – 15 de agosto de 1944. Dois meses depois do desembarque da Normandia, seria a vez de o Sul da França ser liberada, criando uma pressão extra sobre as tropas alemãs. Mas dos 350 mil soldados que tomaram as cidades do Mediterrâneo, quase 200 mil deles eram marroquinos, argelinos ou do que é hoje a Costa do Marfim e Senegal.
Sem a participação das tropas coloniais, dificilmente a França teria atingido seu objetivo e a guerra poderia ter se prolongado por mais alguns longos meses, com mais outros milhares de mortos.
75 anos depois, em meio a um profundo debate sobre o nacionalismo e com partidos de extrema-direita em alta, a Europa e a França resistem em comemorar a data. Emmanuel Macron, nesta quinta-feira, fez um apelo para que prefeitos escolham nomes daqueles heróicos soldados de pele escura para batizar novas praças, ruas ou monumentos. Mas são poucos os que estão dispostos a abrir mão de votos para corrigir uma injustiça.
Numa tribuna publicado no jornal Le Monde, personalidades como o historiador Pascal Blanchard, o ex-jogador Lilian Thuram, além de Rachid Bouchareb e Alain Mabanckou deixaram claro a preocupação diante da diferença de prioridade dada pelas autoridades às comemorações dos 75 anos do desembarque na Normandia e o desembarque africano no Sul da França.
A realidade é que responsabilidade pelo "esquecimento" daquele desembarque não é apenas dos políticos do século 21. Nos meses que se seguiram ao desembarque no Sul da França, De Gaulle deixou claro que precisava mostrar ao mundo que a França tinha se liberado por si mesma. Quando as tropas francesas entraram em Paris, portanto, aqueles soldados de pele escura, muçulmanos e africanos foram descartados. A história, assim, seria feita por fotos de franceses reconquistando sua capital. Franceses brancos, membros da resistência.
Quase um século depois, parte da Europa insiste que recriar um passado que jamais existiu de pureza da raça e do cristianismo, inspirando até mesmo alguns nos gabinetes tupiniquins. Mas continua a ignorar um passado muito mais real e o papel dessas colônias na preservação do dito Ocidente.
No dia 15 de agosto de 1944, os fatos no Sul da França mostravam, uma vez mais, que a história é bem mais complexas que ideologias tentam reconstruir e selecionar. Saber e divulgar apenas parte dela apenas serve para justificar a xenofobia, escolher os heróis convenientes e perpetuar injustiças.
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