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Jamil Chade

UE poderá rejeitar produtos de áreas recém desmatadas no Brasil

Jamil Chade

01/07/2019 15h20

(Getty Images)

 

Acordo também estabelece compromissos com convenções trabalhistas da OIT e abre brecha para participação da sociedade civil 

 

GENEBRA – O acordo entre Mercosul e UE estabelece regras claras ao Brasil: se um produto vier de zonas recentemente desmatadas, simplesmente poderá não entrar no mercado europeu com privilégios e reduções de tarifas.

Na última sexta-feira, os dois blocos concluíram 20 anos de negociações e anunciaram um acordo histórico. Mas, num documento circulado nesta segunda-feira pela UE, fica claro: "o aumento de comércio não deve vir às custas do meio ambiente e condições trabalhistas".

Preocupação central dos europeus para conseguir "vender" o acordo a seus parlamentos, o capítulo sobre meio ambiente veio recheado de detalhes.

"Num artigo específico sobre mudanças climáticas, os blocos concordaram em uma linguagem forte, comprometendo-se a implementar efetivamente o Acordo de Paris", indica um texto da UE sobre as explicações relativas ao tratado.

"Os compromissos estão incluídos na luta contra o desmatamento. As iniciativas do setor privado reforçam esses compromissos, por exemplo, de não obter carne de fazendas em áreas desmatadas recentemente", indicaram.

Na prática, o Brasil não poderá desmatar, transformar a região em pasto e, em seguida, exportar a carne.

O tratado ainda inclui compromissos relativos à gestão sustentável das florestas. O setor privado europeu terá o direito de criar cadeias de abastecimento com "desmatamento zero" e até uma eventual moratória da soja no Brasil para limitar a expansão das plantações nas zonas florestais. O capítulo ainda inclui temas como biodiversidade, exploração madeireira ilegal e pesca ilegal.

Haverá até mesmo uma espécie de tribunal separado para lidar com eventuais crises. Um dos lados poderá apresentar uma queixa por incumprimento de algum aspecto ambiental do acordo. Num primeiro momento, os governos serão convidados a realizar consultas.

"Se a situação não for resolvida, pode ser solicitado a um painel de peritos independentes que examine a questão e faça recomendações", explicou o documento. "O relatório e as recomendações devem ser tornados públicos para que possam ser acompanhados pelas partes interessadas e pelos funcionários das Partes", indicou a UE. O sistema é, no fundo, parecido ao que existe na OMC.

Nem mesmo quando a ciência não é conclusiva, governos não terão o direito de usar essas brechas para aumentar o comércio.
Trabalhista

Além da questão comercial, o Brasil ainda se compromete a aplicar convenções da OIT para lutar contra o trabalho infantil, contra a discriminação e direito à barganha coletiva.

Padrões mínimos de direitos humanos terão de ser cumpridos. Para completar, mecanismos de consulta à sociedade civil incorporados no acordo complementarão essas disposições.

Há ainda um compromisso de ambos os lados por maior transparência por parte da administração pública e a abertura das licitações públicas para empresas europeias, que irão concorrer por contratos no mesmo pé de igualdade do restante das empresas brasileiras.

Cotas

Quanto ao volume exportado para a UE, o Mercosul recebeu cotas muito inferiores ao que solicitou ao longo das duas décadas.

Carne bovina: 99 000 toneladas de equivalente peso carcaça, subdivididas em 55% frescos e 45% congelados com uma taxa de 7,5%. O volume será introduzido gradualmente em seis fases anuais iguais.

Açúcar: cotas de 180 000 toneladas.

Etanol: cota de 450 000 toneladas.
Frango: 180 000 toneladas de carne de aves isenta de direitos aduaneiros, subdivididas em 50% de carne não desossada e 50% de carne não desossada.

Carne suína: 25 000 toneladas.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)