Topo

Jamil Chade

Venezuelanos na Copa América são "orientados" a não falar de política

Jamil Chade

18/06/2019 07h00

 

GENEBRA – Quando os jogadores da seleção da Venezuela entrarem em campo hoje para a partida contra o Brasil, em Salvador, entre as orientações que receberam há uma bastante específica: evitar falar de política.

Em meio à pior crise da história da Venezuela e diante de uma emergência humanitária, os atletas de Caracas que participam da Copa América receberam uma orientação dos dirigentes da federação do país: não se pronunciem em público sobre política.

Quem relata a recomendação é o próprio presidente da Federação Venezuelana de Futebol, Laureano González. Ele garante que não haverá punição contra quem se manifestar.

Em 2017, no campeonato nacional venezuelano, um protesto foi ensaiado por parte dos jogadores contra a repressão por parte de Nicolas Maduro. Os dois times em campo – o Deportivo Lara e Deportivo Anzoátegui – tinham solicitado que o árbitro respeitasse um minuto de silêncio diante das mortes e prisões que tinham ocorrido naquele momento de protestos.

Mas a federação, próxima ao chavismo, não autorizou. Quando o juiz apitou o início da partida, os jogadores se mantiveram parados, respeitando o minuto de silêncio que tinham combinado. O gesto pegou a emissora de TV que transmitia a partida de surpresa. O canal era controlado pelo vice-presidente da Venezuela no momento, Tarek El Aissami.

O cartola, agora, explica que houve uma "orientação" para que os jogadores da seleção permanecessem às margens da política. "Uma seleção representa a todos", disse. "Uma opinião a favor de A ou de B sempre divide", argumentou. "Não podemos proibir e nem castigar, mas pedimos que evitem das declarações públicas", disse. "A seleção é de todos, independente de sua ideologia", afirmou o cartola, insistindo como políticos de diferentes grupos apoiam o time.

Se a orientação aos atletas é a de não falar de política, o dirigente não esconde que quem patrocina a seleção é a PDVSA, a empresa que serve de pilar para o regime chavista.

Ele também mantém um discurso semelhante ao de Maduro sobre a situação no país. Segundo ele, os apagões de energia foram atos de sabotagem e critica o embargo imposto pelos americanos. O discurso alinhado ao do governo ainda aponta que a Venezuela é vítima de uma "guerra econômica".

São exatamente esses os argumentos usados por Maduro para explicar a situação do país, onde 4 milhões de pessoas já cruzaram as fronteiras em busca de uma vida melhor no exterior.

Para completar, o cartola insiste que os jogadores vão a campo para dar "alegria ao povo venezuelano" e que um eventual bom resultado será "positivo para o país". Ao longo dos anos, Hugo Chávez entendeu o poder dos esportes coletivos e de massa como forma de unir uma população.

Dificuldades

Mas a federação não esconde que o futebol nacional também sofre com a crise. Segundo ele, o êxodo de milhões de pessoas também chegou ao esporte. Jogadores, treinadores e outros funcionários de clubes deixaram o país em busca de uma vida melhor.

No futebol feminino, a Venezuela foi o segundo país do mundo a registrar o maior número de transferências de jogadoras ao exterior. No total, foram 87 e foram superadas apenas pelas americanas.

"Temos essa realidade na cara", disse Gonzalez. "Hoje, é atrativo sair, mesmo por pouco dinheiro, a países que nunca pensaram em ir, nem mesmo como turistas", lamentou.

Outra dificuldade é a de obrigar todos os times, inclusive na Libertadores, a jogar durante o dia. Não há garantias de que um dos maiores produtores de petróleo do mundo possa assegurar a energia de um estádio.

Ele, porém, critica clubes que tem se mostrado hesitantes em viajar ao país, alegando que são apenas estratégias para tentar transferir as partidas.

Metas

Apesar de tudo, Gonzalez insiste que a meta na Copa América de 2019 é de chegar pelo menos nas quartas-de-finais. Em 2011, o time foi até a semi-final e, agora, a esperança é a de repetir a façanha.

Para completar, o cartola está convencido de que o país que por décadas foi o pior time do continente, agora irá se classificar para a Copa de 2022. Uma de suas apostas é o fato de que a seleção principal conta, hoje, com atletas que já foram vice-campeões do mundo na categoria Sub-20.

"Hoje, a Venezuela é hoje um país da Conmebol para ganhar e perder. Já não somos os últimos", insistiu. Na atual Copa América, a Venezuela empatou seu primeiro jogo contra o Peru.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)