Nas urnas, Europa vota seu destino…e talvez do mundo
DOUVAINE, França – A pequena Douvaine é aparentemente apenas mais uma cidade ordinária no interior da França e aos pés dos Alpes. Não há nada de especial, salvo talvez um mercado livre todos os domingos num estacionamento ao lado da prefeitura.
Hoje, como todos os fins de semana, famílias fazem filas para comprar frutas e legumes de vendedores que misturam produtores locais com turcos, árabes, espanhóis ou portugueses.
Como em qualquer feira, há sempre quem chame o cliente cantando. E, se ele repara que a família passando diante de sua barraca não é francesa, a música rapidamente muda de língua, causando um sorriso no freguês.
Uma fila muito menor pode ser vista logo ao lado da feira. Trata-se de um dos locais de votação. Neste domingo, a população europeia é convocada para as eleições europeias, críticas para definir o destino de um continente e sob a ameaça de ver partidos de extrema-direita e blocos anti-UE ganhar espaço.
Em cartazes espalhados pelo local, políticos alertam para os riscos daquele projeto de união que, segundo eles, deixou milhões sem o direito de escolher o seu futuro e transferiu parte da soberania para Bruxelas.
Num deles, a proposta é clara: Frexit, um projeto para tirar a França da UE. Uma espécie de Brexit francês. Em outro, Marine Le Pen insiste sobre a necessidade de ser francês, antes de ser europeu.
A tranquilidade da primavera europeia e daquela feira, portanto, esconde um profundo mal-estar. Ao irem às urnas neste fim de semana, os europeus estarão remodelando de forma profunda a política do bloco. O Parlamento, segundo as pesquisas de opinião, deve ver um enfraquecimento de partidos tradicionais.
Somada ao caos do Brexit, ao enfrentamento entre China e EUA e aos dados de enfraquecimento da economia mundial, o que se inaugura a partir desta eleição é um novo período de incertezas políticas na UE.
Atravessando uma década de reformas por conta da crise de 2008 e que deixou sequelas profundas, a Europa vive sua encruzilhada.
O bloco, que é o projeto de paz de maior sucesso da história dos últimos séculos no mundo, tem hoje nas urnas um dia decisivo. Se o resultado final mostrar um avanço da extrema-direita, capaz de romper com a lógica até hoje estabelecida no bloco, os próximos anos poderão ver um desmonte de parte do projeto de integração.
Esse processo, sem sombra de dúvidas, terá um impacto muito além das fronteiras da UE e, em diversas partes do mundo, soará como um exemplo de que a era dos nacionalismos é uma realidade. Para a economia mundial, dará um sinal de que um novo período de incertezas estará sendo aberto.
Na ordinária Douvaine, basta caminhar pelas margens da feira para descobrir, escondido em um canto, um monumento. Nele, estão os nomes dos filhos das famílias do local que jamais voltaram das guerras travadas na primeira metade do século XX.
No topo desse monumento, as bandeiras da Alta Sabóia e da França tremulam com orgulho, ao lado da bandeira da UE. Uma espécie de recado a qualquer que passar por ali de que o pacato local já derramou o sangue de seus filhos e conheceu a destruição…em nome do nacionalismo.
Num artigo publicado neste domingo no jornal espanhol El Pais, o escritor Yuval Noah Harari resume o que as eleições no interior da França, numa grande cidade grega ou em Berlim representam: "A UE criou uma cooperação real entre centenas de milhões de pessoas, sem impôr um governo único", disse.
"Se a Europa pode ensinar ao resto do mundo a fomentar a harmonia sim uniformidade, a humanidade terá muitas possibilidades de prosperar neste próximo século. Se o experimento europeu fracassar, como podemos esperar que triunfe no resto do mundo?"
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