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Jamil Chade

Recebido por líderes europeus, Raoni quer agora encontro com Bolsonaro

Jamil Chade

22/05/2019 15h05

 

Em Genebra, Raoni se reúne com autoridades locais para pedir apoio à demarcação de terras. Foto: Jamil Chade

GENEBRA –  Depois de ser recebido por líderes europeus e festejado pela opinião pública do Velho Continente, o cacique Raoni quer um encontro com o presidente Jair Bolsonaro. Seu objetivo: debater a demarcação de suas terras e a proteção à floresta no país.

Fazendo uma turnê pela Europa para conscientizar lideranças internacionais sobre os riscos que a Amazônia corre com o novo governo brasileiro, Raoni deixa claro que, ao regressar ao Brasil, vai pressionar por um encontro em Brasília.

"Depois de minha viagem, quero chegar ao Brasil e me encontrar com Bolsonaro para que ele assine algum decreto para garantir a demarcação. É só isso que eu quero", disse.

"Ele ficou falando muita coisa e eu não gostei. Mas quero me sentar com ele para ver se encontramos uma solução", afirmou.

Questões indígenas e ambientais tem sido dois dos maiores problemas da imagem do governo Bolsonaro no exterior. Ao longo dos últimos meses, diversos líderes indígenas e ativistas de direitos humanos tem optado por usar o palco internacional para denunciar as políticas do atual governo.

Depois de passar pela França onde foi recebido por Emmanuel Macron, Bélgica e Luxemburgo, Raoni está na Suíça nesta semana. Assim como ocorreu em todos os demais lugares, foi recebido pelas autoridades máximas. Em Genebra, o prefeito da cidade encurtou até mesmo uma presença sua em um enterro de um amigo para garantir que estaria ao lado do líder indígena.

Com um mapa do Brasil e da reserva do Parque Indígena do Xingu sobre uma mesa, ele explicou às autoridades suíças nesta quarta-feira as ameaças que as reservas nacionais estão enfrentando.

Seu discurso é de que sua luta é para manter a floresta "para o mundo", e não apenas para seu povo. "Não podemos deixar derrubar", disse. Sua luta é para que haja uma pressão internacional sobre o governo brasileiro para garantir a demarcação de suas terras. "Estamos mantendo o território para todos nós", insistiu.

O líder caiapó, porém, avisou que estava já idoso e que o combate, em breve, terá de ser liderado por uma nova geração.

Um deles é o filho do cacique Aritana, Tapi Iwalapiti, que também viaja com Raoni. "Esse é o momento mais difícil para a defesa da floresta", disse. "Raoni nos disse que está ficando velho e que nós não poderíamos deixar isso acabar, que temos de segura essa terra", afirmou.

Para as autoridades europeias, Raoni pediu união. "Precisamos trabalhar juntos", disse.

Raoni explica dificuldades em proteger reservas às autoridades europeias. Foto: Jamil Chade. Maio 2019

Pressão

Em Genebra, o prefeito local, Sami Kanaan, deixou claro que vai ajudar financeiramente a iniciativa de Raoni, que espera reunir 1 milhão de euros para fortalecer a proteção de suas terras. Mas o prefeito quer ir além e pressionar politicamente o governo federal da Suíça para alertar sobre as relações comerciais com o Brasil.

Neste momento, o Mercosul e a Suíça negociam um acordo de livre comércio. "O comércio é bom. Mas não podemos assinar qualquer coisa em nome do comércio", disse o prefeito.

"Estamos preocupados diante das posições do novo governo brasileiro", disse Kanaan, que pediu esclarecimentos sobre a Funai e outras medidas. O retorno da Funai para o Ministério da Justiça, segundo os indígenas que estavam com Raoni, era a "única boa notícia" até agora do governo.

"Estamos conscientes da importância da proteção da Amazônia. Sabemos que existem lobbies muito agressivos. Seu combate é fundamental", disse o prefeito ao líder indígena. Para o prefeito, a pressão internacional é importante também convencer o governo brasileiro a assumir suas responsabilidades.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)