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Jamil Chade

Iniciativa do governo força ONU a adiar decisão sobre Lula

Jamil Chade

03/04/2019 13h38

Lula deixa a prisão para ir ao velório de seu neto, em fevereiro

GENEBRA – O governo brasileiro apresentou novos documentos à ONU em março referentes ao caso de Luiz Inácio Lula da Silva. O gesto das autoridades força a entidade, agora, a adiar a conclusão de sua recomendação ao estado brasileiro no que se refere à queixa do ex-presidente, iniciada há quase três anos.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU se reune três vezes por ano. Na primeira sessão de 2019, o órgão manteve encontros entre os dias 4 e 29 de março. Mas, no dia 14 de março, o governo de Jair Bolsonaro entregou à entidade novas documentações sobre a situação do ex-presidente, sem ter sido solicitado.

A entrega sequer foi realizada por via eletrônica, o que aceleraria o processo. O envio ocorreu de forma física, o que obriga a entidade a digitalizar a documentação e atrasa o trâmite interno na burocracia.

Diante das novas informações prestadas pelo governo, a previsão é de que o caso seja adiado para o segundo semestre de 2019. Mas poderia até mesmo ser agendado para 2020.

O caso de Lula foi levado ao Comitê de Direitos Humanos Nações Unidas em julho de 2016. A denúncia central era de que o então juiz federal Sérgio Moro estaria sendo parcial no julgamento do ex-presidente. Em outubro daquele ano, as equipes legais da ONU aceitaram dar início ao exame.

Em meados de agosto de 2018, o Comitê de Direitos Humanos da ONU concedeu medidas cautelares e solicitaram às autoridades brasileiras que mantivessem os direitos políticos de Lula até que seu caso fosse avaliado pelo Supremo Tribunal Federal e que o mérito do caso fosse tratado em Genebra. O órgão formado por 18 peritos independentes, porém, não atendeu ao pedido para que o ex-presidente fosse solto.

Naquele momento, o Comitê também deixou claro que, ao pedir medidas cautelares, o órgão não estava pré-julgando uma eventual inocência ou não de Lula. Mas optou por unificar o processo e avaliar, ao mesmo tempo, a admissão do caso e seu mérito.

A decisão foi comemorada pela defesa do ex-presidente. O governo se limitou a considerar que a decisão não tinha poder vinculaste, o que foi contestado pelos peritos do órgão que insistiam que o Brasil era signatário das convenções internacionais.

Ainda assim, diante do início da consideração do mérito do caso, o governo foi obrigado a apresentar suas argumentações em novembro de 2018. Pessoas próximas ao processo indicaram que o gesto teria sido suficiente para atender aos pedidos dos peritos no processo na ONU. Em fevereiro, foi a vez da defesa  de Lula apresentar a resposta, também numa etapa prevista do caso.

Mas a surpresa veio de Brasília que, em março, decidiu adicionar mais uma tréplica, mesmo que não tenha sido solicitada. Nos documentos, foi incluído a sentença da juíza Gabriela Hardt contra o ex-presidente.

A iniciativa obriga a ONU a considerar a nova documentação e dar novos prazos para eventuais comentários da defesa.

Procurado, o Itamaraty ainda não se pronunciou sobre a entrega dos novos documentos.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)