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Jamil Chade

Autor de Gomorra qualifica Bolsonaro de "medíocre"

Jamil Chade

17/03/2019 09h08

O autor Roberto Saviano. Foto: EFE

Escritor italiano ameaçado de morte pelo crime organizado critica presidente brasileiro e sugere desmontar o fascínio pelas armas entre os jovens.  

 

GENEBRA – Os jovens brasileiros precisam saber das "mentiras" e "crimes" cometidos por Jair Bolsonaro. Quem faz a recomendação é Roberto Saviano, o autor do bestseller Gomorra (2006) e que, nos últimos meses, tem denunciado o governo de extrema-direita da Itália e se transformou em uma das principais vozes críticas ao populismo na Europa.

Neste fim de semana, ele participou de um debate durante o Festival de Cinema de Direitos Humanos, em Genebra, e foi questionado sobre o presidente brasileiro e o fascínio de parte da juventude pelas armas.

O escritor coleciona prêmios internacionais pela qualidade de sua obra e por revelar os bastidores do crime organizado. Mas, desde a publicação de seu livro, há mais de dez anos, o napolitano vive sob proteção de uma escolta policial permanente. Ao longo dos anos, ele tem sido ameaçado de forma recorrente.

Durante o debate neste fim de semana, uma pessoa na plateia solicitou a palavra e se apresentou como "ítalo-brasileira". Dizendo ter um filho de 17 anos, ela afirmou estar preocupada com o fascínio dos jovens brasileiros pelas armas e citou Bolsonaro.

"Sabe, entendo a sua preocupação", respondeu Saviano. "As armas são fascinantes, porque tudo aquilo relacionado à vida e à morte, relacionando ao poder, provoca fascínio", apontou. "Por fascínio se entende como aspecto irracional de atração. Disparar (uma arma) significa poder tirar a vida de uma pessoa. Não disparar significa que você está concedendo vida a uma pessoa. Isso tudo é fascinante", analisou o italiano.  "Mas a única via que temos é desmontar esse fascínio. Não negá-lo", recomendou.

"Bolsonaro é um administrador local medíocre e aproveitou um momento dramático do Brasil. Nós não podemos usar outro instrumento a não ser contar aos jovens brasileiros pedaço por pedaço das suas mentiras. Os crimes que cometeu", sugeriu. "A difusão de grupos paramilitares que está construindo", insistiu.

Saviano insiste que é necessário mostrar aos jovens que "atrás dessas armas não tem nenhuma perspectiva heroica". "Atrás dessas armas, tem a barbárie, frequentemente, tem corrupção, não há capacidade "organizativa" nem "resolutiva", que é o que mais gostam nas armas, sua capacidade de resolver tudo", avaliou.

Palavras – Saviano reivindica ainda a recuperação da "palavra". "O que acontece nesse momento é que há muito cansaço das palavras. E o que se deseja nesse momento é uma ação imediata, repentina", disse. "Prefere-se um político, mesmo medíocre,  que prometa uma ação efetiva, a um talvez até competente, que, por sua vez, se apega aos prazos da democracia", disse.

"Devemos voltar a ter confiança na palavra, mas numa palavra que seja capaz de confrontar, que fundou a nossa democracia na Europa", sugere. "Esse é o caminho", disse. "Devemos, absolutamente, pegar novamente esse caminho, sabendo que é um caminho cheio de contradições, cheio de erros, mas que é, sem dúvida, melhor que o caminho da autoridade, do autoritarismo militar", completou.

Máfia – Na Itália, Saviano tem sido alvo de uma dura campanha por parte dos aliados do ministro do Interior, Matteo Salvini, chefe do partido de extrema-direita. O político anunciou em 2018 que iria abrir um processo por difamação contra o escritor. A crise começou quando o gabinete de Salvini ameaçou retirar a proteção policial com a qual o escritor conta desde 2006. Naquele ano, a Camorra o ameaçou de morte.

Em resposta, Saviano sugeriu que o político teria ligações com a membros da Máfia. "Aceito todas as críticas. Mas não permito que ninguém diga que eu ajudei a máfia", disse o ministro. Saviano respondeu que não iria deixar de fazer oposição.

 

(Colaborou: Beatriz  Farrugia)

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)