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Jamil Chade

Sob sanções, diplomatas venezuelanos são alvos de despejo de suas casas

Jamil Chade

03/10/2019 04h00

 

GENEBRA – Como resultado das sanções americanas contra a Venezuela, os diplomatas de Caracas em diversos postos no exteriores estão com suas transações bloqueadas, contas fechadas e sofrem até mesmo para pagar alugueis e receber salários.

Diplomatas da missão da Venezuela perante as Nações Unidas confirmaram ao UOL que, desde meados do ano, os bancos deixaram de aceitar suas contas. Um deles é o próprio embaixador, Jorge Valero, que teve sua conta simplesmente fechada.

Sem poder retirar dinheiro há meses, o chefe da missão recebeu há poucas semanas uma carta de despejo do dono do edifício onde mora. Valero negociou uma solução temporária, com a condição de que não houvesse mais nenhum atraso.

As instituições financeiras temem que, diante das sanções americanas, sejam punidos nos EUA por manter os canais abertos para a diplomacia venezuelana. O resultado foi o fechamento de contas em bancos como o Credit Suisse, que não está disposto a colocar em risco sua relação com o gigante mercado americano.

Além das contas fechadas do dia para noite, os diplomatas passaram a ter dificuldades para receber envios de recursos de Caracas. Os representante do governo de Nicolas Maduro foram até o governo suíço para se queixar. Mas receberam de Berna o alerta de que suas relações com os bancos eram "questões privadas" e que o governo suíço não teria como intervir.

No UBS, os diplomatas que detém contas foram avisados de que podem movimentar dinheiro. Mas diversas restrições foram estabelecidas. Nada pode ser pago em dólares e não podem usar cartões de crédito fora das fronteiras da Suíça.

Os salários também ficaram retidos. Apenas três funcionários puderam ter acesso ao dinheiro enviado por Caracas, enquanto os demais estão sem receber desde maio.

Nem nem todos estão de acordo com essa postura. No Parlamento suíço, o ministro de Relações Exteriores da Suíça, Ignazio Cassis, foi interpelado oficialmente diante do que observadores acreditam ser uma violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Ela estabelece, entre outras coisas, que um estado anfitrião de uma entidade internacional precisa garantir as condições para que as missões possam desempenhar suas funções.

O governo de Berna insistiu que não tinha a responsabilidade em garantir a abertura de contas e que tal relação ocorre entre entidades privadas e indivíduos.

Em outros casos mais graves, os diplomatas passaram a viver dentro das instalações da embaixada venezuelana diante do calote em pagamentos de alugueis. O caso mais severo foi registrado em fevereiro em Londres, onde os diplomatas foram obrigados a deixar os apartamentos onde viviam. Pelo menos três famílias hoje vivem nos prédios da própria embaixada.

No dia 29 de janeiro, a embaixadora da Venezuela no Reino Unido, Rocio Maneiro, enviou uma carta "muito urgente" ao chanceler Jorge Arreaza explicando a situação.

Em Londres, segundo a embaixadora, o governo venezuelano dispõe de cinco edifícios, entre eles o Bolívar Hall, uma espécie de sala de concertos e para eventos culturais. O local, porém, conta com três apartamentos "destinados a alojar delegações que envie o governo e de grupos de artistas".

"Dada a situação que os funcionários diplomáticos estamos atravessando, já que o último salário pago corresponde a setembro de 2017, vários funcionários diplomáticos acreditados em Londres se encontram impossibilitados de pagar alugueis, já que tiveram de priorizar o pagamento de comida e de transporte", escreveu na carta, também transmitida para a chefe de Recursos Humanos da Chancelaria.

Segundo ela, para que os trabalhos da missão pudessem ser mantidos em "condições mínimas", foi decidido que os três apartamentos passariam a alojar três diplomatas venezuelanos e suas famílias.

Confisco

Mas o estrangulamento das contas dos diplomatas é apenas parte da história. O governo de Caracas aponta que bancos europeus, norte-americanos e mesmo asiáticos já congelaram mais de US$ 5,4 bilhões em ativos pertencentes ao estado venezuelano.

Apenas no Novo Banco, de Portugal, US$ 1,5 bilhão estão congelados, além de US$ 1,3 bilhão em barras de ouro no Banco da Inglaterra.

Durante o governo de Hugo Chávez, Caracas optou por reduzir sua dependência sobre o dólar americano e passou a acumular reservas em ouro e espalhar seus ativos pelo mundo. Em 2011, já vivendo um esgotamento de seu modelo econômico, Chávez ordenou que US$ 11 bilhões em reservas internacionais aplicadas fora do país fossem repatriadas. Nos anos seguintes, porém, o dinheiro foi consumido por um governo que tentava se manter no poder, além da corrupção.

De acordo com o levantamento de Caracas, mais de 50 bancos pelo mundo seguiram ordens emitidas por seus governos para impedir que Maduro tenha acesso aos recursos. Parte desse congelamento ocorre por suspeitas de corrupção, enquanto outro montante significativo tem uma relação direta com as sanções impostas pelo governo de Donald Trump e alguns países europeus.

No Citibank, dos EUA, por exemplo, um total de US$ 458 milhões estavam congelados ao final de abril de 2019. Outros bancos que tomaram medidas similares são o UnionBank, o Banque Delubac e o Sumitomo Bank.

Desde que o cerco financeiro ganhou uma maior intensidade, o governo passou a tentar acordos e movimentar recursos usando rotas alternativas, incluindo Rússia, China, Turquia e o Oriente Médio.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)