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Jamil Chade

Brasil vota ao lado de ditaduras em debate sobre ativistas

Jamil Chade

27/09/2019 10h57

Fachada do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. (Divulgação)

 

Brasil repete voto de 2017 e apoia China e Cuba em temas de defensores de direitos humanos. 

 

GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro votou na ONU ao lado de regimes autoritários como Cuba, China, Egito, Arábia Saudita e Catar em um debate sobre garantias a defensores de direitos humanos de fazer denúncias em órgãos internacionais.

No total, o governo russo apresentou três emendas ao texto original, tirando em alguns casos a força da resolução. O Brasil votou ao lado de Moscou em todos os projetos de modificação do texto original. Todas as emendas foram derrubadas por uma ampla maioria de votos contrários, com a Europa e grande parte da América Latina rejeitando as propostas do bloco autoritário.

Um dos trechos em questão modificava a resolução que trata de condenar governos que cometem represálias contra defensores de direitos humanos.

No texto original, a resolução "reafirmava o direito de todos" de ter acesso aos mecanismos da ONU para denunciar violações aos direitos humanos.

Na emenda proposta por Moscou, o termo é substituído por algo mais leve. O texto apenas "encoraja o acesso de todos" aos mecanismos da ONU para que possam fazer denúncias.

A mudança é interpretada como uma tentativa de tirar o peso da resolução, retirando o caráter de direito que um ativista poderia ter de poder fazer uma denúncia internacional.

Desde o início do ano, grupos LGBTI, indígenas e defensores de direitos humanos do Brasil usaram justamente os mecanismos da ONU para apresentar denúncias contra o governo de Jair Bolsonaro.

Em duas ocasiões, porém, o governo chegou a ser examinado por conta de atos de seus diplomatas em Genebra e Viena que poderiam ser considerados como represálias aos defensores de direitos humanos.

Oficialmente, o governo brasileiro indicou que, ao votar ao lado do grupo de ditaduras, apenas buscava clareza no texto e que, na resolução final, votaria ao lado dos demais países por sua aprovação. De fato, na resolução final, o Brasil manteve seu apoio e votou ao lado de democracias.

Em 2017, no governo de Michel Temer, o governo já havia adotado uma postura semelhante. Mas, desta vez, chamou a atenção o fato de que, enquanto o presidente Jair Bolsonaro denuncia no palanque da ONU o "socialismo" e defende a "democracia", sua diplomacia vota ao lado de alguns dos regimes mais autoritários do planeta.

Mais cedo, durante o mesmo encontro na ONU, o governo brasileiro acusou Cuba de não ter legitimidade para apresentar uma resolução. Em resposta, Havana atacou o presidente Bolsonaro, afirmando que seu governo toma ordens da Casa Branca.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)