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Jamil Chade

Congressistas americanos pedem suspensão de acordos com Bolsonaro

Jamil Chade

25/09/2019 15h43

Trump e Bolsonaro se cumprimentam durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington (REUTERS)

 

GENEBRA – Um dia depois do discurso de Jair Bolsonaro na ONU para rebater as críticas internacionais sobre a situação ambiental no Brasil, doze congressistas americanos apresentaram uma resolução na Câmara dos Deputados dos EUA solicitando que o Legislativo não aprove qualquer financiamento às atividades do Banco Mundial na Amazônia.

A resolução foi apresentada pelos deputados democratas Raúl M. Grijalva, Ro Khanna e Deb Haaland. Grijalva é hoje o presidente do Comitê de Recursos Naturais do Câmara de Deputados do Congresso dos EUA.

O texto levará semanas para eventualmente ser colocado à votação e dificilmente teria chance de vetar os acordos, já que o senado americano está nas mãos do Partido Republicado, de Trump. Mas revela o mal-estar gerado pela relação entre Bolsonaro e Donald Trump. A ação também faz parte do clima de pré-campanha eleitoral nos EUA.

No documento, os congressistas "exortam o governo dos Estados Unidos a se opor a empréstimos do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento que possam vir a serem utilizados para financiar projetos que provavelmente contribuirão para maiores desmatamentos ou incêndios nas florestas tropicais localizadas na Bacia Amazônica ».

O texto pede que o governo brasileiro tome « todas as ações possíveis para reduzir o desmatamento da floresta tropical Amazônica dentro das fronteiras do país e a tomar todas as medidas necessárias para garantir a eliminação do desmatamento ilegal até 2030 ».

O texto, que faz duras críticas ao Planalto, também pede que o governo dos Estados Unidos anule a designação do Brasil como "principal aliado não-pertencente à OTAN" e que suspenda «toda a assistência às forças militares e policiais do país, a menos que o Departamento de Estado ateste formalmente que medidas efetivas são sendo tomadas para reduzir os assassinatos extrajudiciais injustificados levados a cabo por agentes de segurança do Estado brasileiro, e para investigar e julgar os assassinatos de ativistas, bem como para cumprir as normas internacionais de direitos humanos ».

Esse é o primeiro texto em 30 anos a denunciar o Brasil no Congresso americano por questões de direitos humanos. A última vez foi em 1989, por conta da morte de Chico Mendes.

Entre os vários itens do texto, o grupo pede ao presidente Bolsonaro e aos membros de seu gabinete para que se «abstenham de proferir discursos de ódio e ameaças dirigidas a minorias e, ao invés disso, trabalhem para proteger os direitos humanos de todos os cidadãos brasileiros, independentemente de raça, sexo, orientação sexual ou crenças ».

A resolução, por exemplo, insta as autoridades judiciais e policiais do Brasil a « investigarem integralmente o assassinato de Marielle Franco e a trabalharem para identificar e processar os mandatários de seu assassinato ».

"Como membros do Congresso, temos o dever de condenar a tragédia que se abateu sobre nossos irmãos e irmãs brasileiros sob as políticas destrutivas e racistas do governo de Bolsonaro", disse o deputado Grijalva. "A liderança fracassada de Bolsonaro levou o Brasil a um ponto de crise. Ele restringiu os direitos das comunidades indígenas, ameaçou abertamente seu direito de existir e está presidindo a destruição sem precedentes da Amazônia. Este não é o tipo de regime que os Estados Unidos deveriam apoiar, e me orgulho de defender a justiça ambiental, as comunidades indígenas e o povo brasileiro com esta resolução", declarou.

O texto ainda condena o elogio de Bolsonaro à ditadura brasileira, denuncia o racismo do presidente e seus ataques aos direitos humanos.

"Não teremos uma segunda chance de salvar nosso planeta", disse o deputado Khanna. "Não podemos ficar de braços cruzados enquanto um dos maiores tesouros ecológicos do mundo é queimado, cortado e arruinado para sempre. Bolsanaro também deve parar de atacar descaradamente os direitos humanos, o Estado de Direito e a democracia no Brasil", disse.

"As gerações futuras merecem viver em uma Terra que possa sustentá-las, mas Trump e Bolsonaro prefeririam enriquecer agora às custas de nossos filhos e netos", disse o deputado Haaland, vice-presidente do Comitê de Recursos Naturais da Câmara. "Condenamos os movimentos para ganhar dinheiro rapidamente com a floresta amazônica, abusando dos direitos humanos dos povos indígenas, afro-brasileiros e comunidades locais e devastando o meio ambiente e a vida selvagem", completou.

 

Moro e Lava Jato

Outro ponto destacado pelo texto se refere à Operação Lava Jato. A resolução "insta as autoridades judiciais do Brasil, especialmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, a investigarem as alegações de conduta antiética de Sergio Moro, do procurador federal Deltan Dallagnol, e de outros agentes envolvidos nos processos judiciais contra o ex-presidente Lula da Silva ».

Mas os pedidos também se dirigem ao Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos. Os congressistas querem a realização de "uma revisão completa das atividades do DoJ no Brasil, para determinar se agentes do Governo dos Estados Unidos encorajaram ou incentivaram, a qualquer momento, a conduta antiética perpetrada por agentes judiciais brasileiros, incluindo membros da força-tarefa da Lava Jato ».

No caso do ex-presidente Lula, os deputados "instam o Supremo Tribunal Federal do Brasil a realizar urgentemente uma apreciação dos méritos das condenações de Lula da Silva e a razoabilidade dos procedimentos movidos contra ele, bem como expedir a liberdade de Lula da Silva enquanto seus recursos estão pendentes, conforme estipulado pela Constituição brasileira ».

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)