“Um país não é apenas o que ele faz. Mas o que ele tolera”
GENEBRA – Passaria por Genebra no começo do século 20 o jornalista e escritor alemão Kurt Tucholsky. Ciente do que estava se desenhando na Europa e das ameaças que certos grupos enfrentavam, ele deixou claro: "um país não é apenas o que ele faz. Mas o que ele tolera".
Os ataques contra um restaurante em São Paulo, na madrugada de domingo, são sintomas de um dos males mais perigosos que enfrenta hoje a sociedade brasileira: a intolerância.
Sociedades democráticas são construídas sobre a base da tolerância política. Numa democracia, ninguém está obrigado a concordar com o outro. Mas a respeitar sim. E até mesmo em protegê-lo e garantir sua sobrevivência.
Chegou o momento das lideranças políticas e judiciais do país – independente de seus partidos – emitir um sinal forte, contundente e irrestrito contra a intolerância. Caso contrário, é a democracia brasileira que estará ameaçada. Simplesmente dizer que um político ou partido não tem responsabilidade ou influência sobre os eleitores e uma sociedade não basta.
Ocupar um cargo político também significa assumir responsabilidades. E, entre elas, a da preservação da democracia. Dentro do Legislativo, em "lives" e em cada ato no Diário Oficial. Mas também ao condenar atos de intolerância política e racial, assim como criar programas escolares para ensinar a tolerância, garantindo que a próxima geração entenda o que está em jogo.
Nossa democracia jamais foi uma realidade natural. Foi conquistada e continua imperfeita, racista, discriminatória, desigual e injusta.
A democracia não é apenas as imagens de longas filas que se formam num certo domingo em locais de votação, a cada tantos anos. A democracia é a capacidade de uma sociedade de respeitar e aceitar a diferença. A democracia é a capacidade de a diferença existir.
Numa democracia, a oposição não pode ser chamada de inimiga, mas sim ser considerada como uma adversária na luta natural pelo poder, dentro de regras. Eleitores que não pensam de uma certa forma não devem ser "aniquilados". Mas respeitados e, eventualmente, convencidos por propostas políticas.
Certamente algum leitor dirá: "e a facada?". Obviamente ela é condenável e não pode ser tolerada num sistema democrático. Não pode ser usada nem como escudo e nem como motivo de teorias da conspiração. A condenação precisa ser incondicional. Assim como ela não pode ser aceita, a estratégia das milícias digitais (e reais) de intimidar eleitores e partidos políticos precisa ser denunciada.
Camus, ao final da Segunda Guerra Mundial, já havia alertado que a derrota do nazismo não significava o fim dos problemas. A morte – física, intelectual ou política – de um adversário fora banalizada na Alemanha Nazista e pela Europa. Seu temor, portanto, era de que esse comportamento tivesse um impacto por décadas.
A ameaça que enfrentamos hoje é a do dogma, da banalização da violência, do silêncio cúmplice e da covardia. Uma sociedade não é o que ela produz, quantos títulos mundiais ela conquistou, o quanto ela exporta, o tamanho de sua floresta ou quantas maravilhas ela possui em seus locais turísticos.
Uma sociedade não é seu grau de devoção ao patriotismo oco. Uma sociedade é o espelho do que ela tolera. E, nesse espelho, nossa imagem ganha contornos insuportáveis.
Errata: ao contrário do que foi escrito na versão original do blog, o ataque ocorreu na madrugada do domingo, e não da segunda-feira. A correção no texto foi realizada no dia 5 de setembro.
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