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Jamil Chade

Novo acordo do Mercosul já sofre resistência na Noruega e Suíça

Jamil Chade

24/08/2019 07h05

(Getty Images)

GENEBRA – Poucas horas depois de o presidente Jair Bolsonaro anunciar nas redes sociais a conclusão de um acordo com Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein, o novo tratado passou a ser alvo de ataques por parte da sociedade civil nesses países europeus e mesmo de políticos que terão de ratificar o acordo.

Depois de fechar um acordo comercial com a UE, o Brasil e o Mercosul chegam a um entendimento também com os países da Associação Europeia de Livre Comércio(EFTA) que reúne Islândia, Noruega, Liechtenstein e a Suíça. Os dois blocos iniciaram as negociações em 2015. Mas foi apenas em 2017 que houve uma decisão política de que um entendimento deveria ser atingido. Nesse mesmo ano, o comércio entre os blocos superou US$ 8,7 bilhões, apontam dados da EFTA. Ao bloco dos quatro países europeus, o Brasil exportou 1,9 bilhão de euros em 2018 e importou 2,6 bilhões de euros no mesmo ano.

Produtos agrícolas, alimentos, café e partes de aeronaves estão entre os principais itens da exportação do Brasil para os mercados do EFTA. Mas um dos temores dos suíços era o de ficar de fora de um acordo com o Mercosul e perder espaço para os produtos da UE.

Na Noruega, a entidade Rainforest Foundation alertou que vai fazer campanha para que o tratado não seja ratificado. "A Noruega não deve entrar em acordo com o Brasil enquanto o desmatamento aumentar e os incêndios florestais não forem interrompidos. Estes são requisitos perfeitamente legítimos e razoáveis ​​nas negociações para um acordo comercial", disse o Secretário Geral da entidade, Øyvind Eggen, para o site da NTB.

Diante da decisão de França e Irlanda de ameaçar o acordo entre o Mercosul e a UE pelos mesmos motivos, parlamentares noruegueses também pediram ao governo para fazer o mesmo. "A Noruega deve agir como outros países europeus, a saber, exigir uma política melhor para a Amazônia como condição para a ratificação do acordo comercial", disse o secretário-geral.

O acordo ocorreu na mesma semana em que Oslo decidiu suspender repasses ao Fundo da Amazônia.

A Associação dos Produtores Agrícolas da Noruega também se declarou "preocupado" com a notícia de que um acordo havia sido atingido. Um dos argumentos do grupo é de que o governo norueguês exige padrões ambientais aos produtores locais que não são exigidos do Mercosul. O resultado, segundo eles, seria uma concorrência desleal.

Na diplomacia do Mercosul, as reações na Europa são apresentadas como desculpas para justificar o protecionismo agrícola, uma verdadeira tradição na política do Velho Continente.

Na Suíça, as entidades Alliance Sud, Fédération Romande des Consommateurs, Public Eye e o sindicato Unitaire também alertaram contra o acordo. Segundo o grupo, se critérios ambientais e sociais não forem respeitados, as entidades poderão "testar o acordo no Parlamento" no momento da ratificação.

Num comunicado emitido neste sábado, as entidades dizem que não são contra acordos comerciais. Mas alertam para o "impacto sobre as famílias camponesas, a população indígena e o meio ambiente nos países do Mercosul, bem como sobre a agricultura suíça, o emprego alimentar e os consumidores suíços".

Na avaliação das entidades, acordo contribui para "violar ainda mais os direitos dos povos indígenas do Brasil".

As entidades pediram que as concessões sobre importações agrícolas não superassem os compromissos da Suíça na OMC. "A carne importada dos países do Mercosul também deve ter sido produzida em conformidade com normas elevadas de bem-estar animal e de segurança alimentar. Para garantir que a protecção dos consumidores não seja comprometida, os controlos e a declaração dos géneros alimentícios importados devem ser melhorados", pediram.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)