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Jamil Chade

Após massacres, ONU e OEA questionam política de mortes do Brasil e do Rio

Jamil Chade

22/08/2019 21h04

Sede da ONU, em Genebra. Foto: Jamil Chade

 

"O aprofundamento da barbárie de Estado é absolutamente intolerável", afirmou Sandra Carvalho, conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos e coordenadora geral da Justiça Global.

 
GENEBRA – Relatoras da ONU e da OEA querem explicações por parte do governo Jair Bolsonaro sobre massacres e operações por parte da polícia, especialmente no Rio de Janeiro. As entidades ainda pedem que a militarização da segurança pública seja abandonada.

A carta foi enviada no dia 20 de junho e assinada pela Relatora Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias e Arbitrárias da ONU, Agnes Calamard, e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

No documento, as relatarias internacionais listam uma série de massacres e casos brutais de assassinatos cometidos pelas forças militares e policiais no Rio de Janeiro entre janeiro e maio deste ano.

Entre elas estão a chacina do Fallet, em fevereiro e a mais letal em 12 anos, o assassinato de Evaldo com mais de 80 tiros disparados pelo exército em Guadalupe em 7 de abril, e a chacina de oito jovens na Maré, em maio.

A carta ainda cita informações sobre o uso de helicópteros como base de tiros, a presença de torres policiais e de snipers em áreas civis, e o encorajamento do uso excessivo da força pelos governantes. No documento, os relatores ainda citam uma fala do governador do Rio, Wilson Witzel em 1 de Março de 2019, quando afirmou que "a polícia iria mirar na cabeça e atirar, de modo que não haja erro".

Nesta semana, o Instituto de Segurança Pública do Estado divulgou os números mais recentes da violência policial. Ainda que não façam parte da carta enviada pela ONU, eles confirmam que, no mês de Julho, foram 194 autos de resistência — uma média de um a cada quatro horas – o maior número de mortos pela polícia desde que o número passou a ser computado. De janeiro a julho, foram 1075 pessoas mortas pela polícia, outro recorde da série histórica iniciada em 1998.

Segundo as relatorias, se esses casos forem confirmado, "eles apontariam para o que aparenta ser uma política deliberada de uso excessivo da força contra suspeito, sem considerar seu direito à vida.

"Estamos pedindo ao governo para tomar as medidas necessárias para frear a militarização da segurança pública e examinar e rever sua política de policiamento e práticas, assim como para determinar até que ponto eles teriam sido discriminatórios em relação a comunidades de afro-descendentes", disse. No texto, as relatorias também denunciam o que aparenta ser uma "impunidade generalizada".

"A CIDH e as relatorias especiais da ONU chamam a atenção do Governo para a responsabilidade de proteger contra a violação arbitrária da vida, que se aplica a toda a estrutura do Estado – incluindo entidades governamentais federais, estaduais e locais – e a todas as ações dos policiais", afirma o documento oficial.

"As relatorias da ONU e a CIDH também desejam lembrar ao governo do Brasil que as leis e práticas que têm um efeito discriminatório infringem o direito internacional dos direitos humanos. Convocamos o governo a adequar sua legislação interna aos padrões internacionais a esse respeito, especialmente em relação a políticas ou práticas de segurança pública que afetem negativamente pessoas suspeitas, inclusive os afrodescendentes", alertam.

Missão

De acordo com a entidade Justiça Global, "na esteira das preocupações frisadas pela ONU e OEA, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizará uma missão ao Rio de Janeiro entre os dias 2 e 4 de Setembro".

"A missão pretende apurar e incidir sobre a grave situação de aprofundamento da brutalidade policial no Rio, com agendas na Baixada e em favelas da cidade, como a Maré e a Cidade de Deus", disse a entidade. "O CNDH deve também realizar reuniões com autoridades públicas a respeito do estágio de flagrante desrespeito aos direitos humanos que encontra-se em curso", explicam.

"A segurança pública se configura, especialmente no estado do Rio de Janeiro, como um instrumento de violação de direitos sob a justificativa do enfrentamento à criminalidade", afirma Sandra Carvalho, conselheira do CNDH e coordenadora geral da Justiça Global.

"O aprofundamento da barbárie de Estado é absolutamente intolerável. A política de enfrentamento à criminalidade que vitima de forma letal principalmente a juventude negra faz com que a política de segurança se configure como um instrumento genocida. O comunicado da ONU e da OEA ressalta todos esses fatores, e demonstra ainda mais a importância de missões como a que será realizada pelo CNDH", sustenta Sandra. "É preciso urgentemente agir pelo direito à vida", conclui.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)