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Jamil Chade

ONU pressiona Bolsonaro a ratificar acordo de proteção a ambientalistas

Jamil Chade

01/08/2019 04h00

Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, debateu em julho violações contra ambientalistas, líderes indígenas e ativistas (Divulgação)

 

GENEBRA – Um grupo de quase 20 órgãos e relatores da ONU (Organização das Nações Unidas) enviou uma carta ao governo brasileiro, pressionando a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) a ratificar um tratado internacional sobre meio ambiente e direitos humanos, o Acordo de Escazú.

O governo brasileiro ignorou a cobrança e não respondeu à carta da ONU, enviada de forma confidencial no dia 15 de julho. Ela foi assinada por peritos como Ahmed Reid, Elżbieta Karska, Catalina Devandas-Aguilar, David R. Boyd, David Kaye, Clement Nyaletsossi Voule, Baskut Tuncak, Dainius Puras, Michel Forst, Cecilia Jimenez-Damary, Léo Heller, Meskerem Techane e outros.

Nesta semana, a entidade Global Witness indicou que mais de 653 ambientalistas foram executados no Brasil desde 2002, o maior número em todo o mundo.

O tratado é o primeiro a obrigar um Estado a garantir a proteção de pessoas que promovem e defendem os direitos humanos nos temas ambientais. Ele também garante acesso à informação, participação pública e justiça.

Sob os auspícios da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), o tratado foi adotado em 4 de março de 2018, na Costa Rica. Desde setembro do ano passado, ele está aberto à assinatura. Num comunicado do dia 27 de setembro de 2018, ainda no governo de Michel Temer (MDB), o Brasil celebrou o acordo e indicou que a adesão do país era uma demonstração do compromisso do Estado com o desenvolvimento sustentável.

Mas o temor dos especialistas é que a entrada em vigor do acordo possa levar anos. "Até o momento, 16 dos 33 países da América Latina e do Caribe assinaram o tratado e um, a Guiana, o ratificou", afirmaram os relatores da ONU. "Instamos o Brasil a ratificar o Acordo de Escazú o mais cedo possível, antes de 27 de setembro de 2019, ou seja, um ano após a abertura do acordo para assinatura. Isso permitirá que o acordo entre em vigor, para que o processo vital de implementação possa começar", disse a carta.

"Este tratado regional de referência não só garante a boa governança ambiental e os direitos humanos, incluindo os direitos de acesso à informação, de participação nos processos decisórios e de busca de soluções, como também é um catalisador para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável", justifica a comunicação entre a ONU e o governo brasileiro.

"Em conformidade com as obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, o Acordo de Escazú estabelece normas importantes que serão fundamentais para enfrentar alguns dos desafios mais prementes do mundo, como as alterações climáticas, o declínio da diversidade biológica, a degradação dos solos, a poluição do ar e da água, as catástrofes naturais e o esgotamento e a utilização insustentável dos recursos naturais", diz.

"O acordo visa proteger a diversidade cultural da América Latina e do Caribe e reconhecer os direitos dos povos indígenas, comunidades locais e grupos vulneráveis. O tratado também ressalta as obrigações dos Estados de promover a participação inclusiva, combater a desigualdade e a discriminação e garantir os direitos iguais de todas as pessoas a um ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável", explica.

"Este é um momento em que os defensores dos direitos humanos ambientais na região estão sofrendo níveis sem precedentes de violência, intimidação e assédio, e as defensoras dos direitos humanos das mulheres enfrentam desafios únicos que muitas vezes são impulsionados por múltiplas formas de discriminação contra as mulheres", alertou.

"O Acordo de Escazú é o primeiro deste tipo no mundo a incluir disposições específicas e vinculantes para a proteção e promoção de pessoas, grupos e organizações que promovem e defendem os direitos humanos em matéria ambiental", aponta a ONU. "Ao ratificar prontamente este tratado inovador, seu país reforçará seu forte compromisso com a proteção e promoção dos direitos humanos e do meio ambiente."

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)