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Jamil Chade

"Se Greenwald for preso, a imprensa estará sob ataque", diz relator da ONU

Jamil Chade

29/07/2019 17h15

Relator da ONU, David Kaye. Foto: divulgação

 

Professor norte-americano e ex-advogado do Departamento de Estado norte-americano, David Kaye, denuncia tentativa de Bolsonaro de intimidar a imprensa, alerta que ataques contra Glenn Greenwald "não tem lugar numa democracia" e que jornalista não cometeu um crime. 

 

GENEBRA – As declarações do presidente Jair Bolsonaro contra Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, "não tem lugar numa democracia" e representam uma tentativa de intimidar não apenas o jornalista americano, mas toda a imprensa no país.

O alerta é do relator da ONU sobre Liberdade de Imprensa, o americano David Kaye, que deixa claro: se Greenwald for preso, é a imprensa que estará sob ataque.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o especialista da entidade fez duas críticas contra Bolsonaro e revelou que uma carta enviada por ele ao Brasil no início de julho, pedindo explicações sobre os ataques sofridos por Greenwald, jamais foi respondida pelo Itamaraty.

Bolsonaro, nos últimos dias, vem atacando o jornalista americano, sugerindo que ele poderia ser detido e o chamando de "malandro" por ter adotado crianças brasileiras. Greenwald, em seu site, publicou uma série de conversas entre procuradores e o então juiz Sérgio Moro.

Na semana passada, supostos hackers ainda foram detidos e teriam confessado que teriam tido contato com Greenwald. Mas, para o relator da ONU, o jornalista não cometeu um crime.

"Quando vemos o que o presidente tem dito, está bastante claro que ele está tentando intimidar Greenwald para impedir que ele continue a publicar mais e mandando uma mensagem a outros jornalistas que esse tipo de publicação vai além da legitimidade", disse o relator.

"Isso, obviamente, é profundamente problemático e é uma forma de intimidação. Isso vai contra as proteções que existem nos direitos humanos, mas também na Constituição brasileira por décadas", afirmou.

Em sua avaliação, quando se coloca junto essa tentativa de intimidação as demais declarações do presidente, tanto durante a campanha eleitoral como no governo, "há um padrão de resistência à imprensa livre".

"Isso parece ser algo muito claro, inclusive pela forma que ele usa palavras duras contra políticos, oposição e contra jornalistas ao longo dos anos", afirmou.

"Vimos isso no contexto de outros países, onde lideres passaram a intimidar jornalistas. Com o decorrer do tempo, isso pode ter um impacto negativo profundo para o direito da população de saber e habilidade de fazer escolhas em eleições", alertou o americano.

"Esse tipo de intimidação não tem lugar numa sociedade democrática", insistiu.

Crime

Na avaliação do relator da ONU, que já foi advogado no Departamento de Estado norte-americano e também ocupa o cargo de professor na Universidade da Califórnia, Greenwald não cometeu um crime. "Nada do que eu vi aponta para isso. Mas sim um duro trabalho de jornalismo investigativo", disse.

"Se colocarmos no contexto do jornalismo de interesse público, isso significa frequentemente publicar e buscar informação que é de interesse publico e que faça lideres políticos ficarem desconfortáveis. Esse é o papel do jornalismo e é especialmente importante em tempos em que política enfrenta disputas sérias. As pessoas vão buscar se informar e contam com os jornalistas para isso", explicou.

Para ele, quando Bolsonaro fala em prender Greenwald, ele está "sugerindo que há uma ilegalidade e isso é a forma de intimidar Greenwald e outros a não publicar".

Na avaliação de Kaye, se o jornalista americano for preso, o que o Brasil estará presenciando será "um ataque ao jornalismo e à independência do jornalismo". "Ameaçar Greenwald com um processo ou prisão é algo extraordinário. É um sinal aos jornalistas: não cubram esses assuntos e essa é a mensagem errada que as democracias deveriam mandar", disse.

"Esse tipo de intimidação não tem ligar num pais com estado de direito e democracia", completou.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)