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Jamil Chade

Ex-assessora de Marielle pede que ONU avalie execuções no Brasil

Jamil Chade

28/06/2019 15h29

 

Nesta sexta-feira, Renata Souza esteve na sede da entidade para denunciar a situação no país e o governo de Wilson Witzel, no Rio de Janeiro. Ela afirma que  passou a tomar medidas de proteção. 
GENEBRA – Renata Souza, deputada estadual do Psol-RJ e ex-chefe de gabinete de Mairelle Franco, diz ter tomado medidas de proteção. Nesta sexta-feira, ela esteve na ONU e convidou a relatora da entidade para execuções sumárias, Agnes Callamard, para que visite o país para fazer uma investigação. Callamard, com quem Renata se reuniu, é a mesma pessoa que investigou a morte do jornalista Jamal Khashoggi, e denunciou um crime de estado pelos sauditas.

A presidente na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) enviou informações detalhadas para a ONU sobre as mortes no seu estado e no Brasil.

Ela foi informada que a relatora da ONU já enviou uma carta ao governo brasileiro cobrando explicações. Mas a meta é de que a própria relatora faça uma visita ao País, o que já foi sinalizado pela relatora que seria algo de seu interesse.

Para isso, porém, o governo de Jair Bolsonaro é que precisa dar o sinal verde, o que até agora não ocorreu.

Em entrevista ao UOL ao final dos encontros na ONU, a deputada deixou claro que sua atuação não é partidária. Eis os principais trechos:

Qual é o raio-x que a sra. faz sobre a situação no Brasil?

Hoje, a situação nas favelas é de muito medo. Medo das operações policiais, que ocorrem por dias. Não duram apenas uma hora. Mas três ou quatro dias, como na Maré. 16 mil crianças ficaram sem escolas por quatro dias, além de perder quatro dias de trabalho, perder consultas médicas. Há uma engrenagem que para de funcionar por conta do estado. Há pessoas que perderam a vida ou a saúde mental. Temos um alto nível de depressão e ansiedade nesses espaços.

Quando você tem um governador que diz que o único protocolo de segurança é mirar e atirar na cabeça, isso é sério demais. Precisamos que a política pública de segurança assegure a vida, e não a morte. Sabemos onde a pena de morte está sendo aplicada. É no chão da favela, na periferia. E sabemos quem é que está morrendo. O Brasil na prática tem pena de morte.

Qual foi o objetivo de sua viagem ?

Queria saber como estava o andamento do informe que eu fiz às Nações Unidas sobre a situação de violações a partir da política de segurança pública. Fui informada pela relatora que o governo brasileiro já recebeu uma carta com pedido de informações sobre o que está ocorrendo. Os informes são sigilosos. Mas é fundamental que as instituições internacionais fiquem sabendo o que ocorre no Brasil. Queremos dar visibilidade sobre o quanto os defensores de direitos humanos estão sendo colocados em uma situação de limite. É muito simbólico que, depois de fazer essa denúncia, eu esteja sendo alvo de retaliações políticas.

De que forma?

O próprio governador sugeriu que meu mandato fosse retirado. Esse é o nível da perseguição política que defensores de direitos humanos estão sofrendo no Brasil.

Em termos pessoais?

Tanto politicamente como em termos de segurança pessoal. Hoje, eu tive de tomar também ações com relação a minha segurança pessoal. Não posso detalhar.

Mas nem como deputada a sra. se considera mais protegida?

Abriu-se um precedente muito grande com a execução sumária da Marielle. E esse precedente diz: defensores e defensoras de direitos humanos são vulneráveis, estejam onde estiverem, com um mandato parlamentar ou não. Todo o trabalho em defesa da vida está sob risco.

A sra. está em algum programa de proteção?

Não.

Houve algum pedido de proteção para a ONU?

O que eu quero é que a ONU saiba e reconheça meu papel como defensora de direitos humanos e que essa minha atuação gera retaliações.

Isso tem alguma relação com sua posição partidária?

Claro que não. Eu sou defensora dos direitos humanos e na defesa intransigente da vida. Direitos Humanos não depende de partido. Esse foi um acordo feito com a humanidade. No Brasil, há uma criminalização dos defensores. O trabalho dessas pessoas só aparece em situações limite, como execuções. E quem são as vítimas? Negros, jovens e pessoas da favela e periferia. São aqueles reconhecidos como os matáveis na nossa sociedade. Sabemos o endereço de quem morre no Brasil. O corte racial e social está feito.

O que a sra. espera que ocorra depois dessa viagem?

Espero que o governo brasileiro responda às Nações Unidas e que os defensores sejam respeitados por esse governo. Nosso compromisso é com a humanidade, independente de partido. Eu convidei a relatora da ONU para que va ao Brasil. Fiz o convite pessoalmente.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)