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Jamil Chade

Uma câmera no epicentro de um terremoto

Jamil Chade

06/06/2019 04h00

 

Em "Democracia em Vertigem", a diretora Petra Costa mergulha o público na vertiginosa realidade da disputa pelo poder no Brasil. Filme estará disponível pela Netflix a partir do dia 19 de junho.

 
GENEBRA – "Imagine um país que importou mais escravos que qualquer outro. E que, depois de 21 anos de ditadura, finalmente estabelece democracia". É assim que começa o filme Democracia em Vertigem (The Edge of Democracy), obra da diretora Petra Costa e que mergulha o público na vertiginosa realidade da disputa pelo poder no Brasil.

Em pouco menos de duas horas, a voz pausada e serena da própria diretora que narra o documentário se contrasta com a violência dos atos, com os ataques à democracia e com a turbulência do cenário político nacional dos últimos anos.

A obra estará disponível pela Netflix no dia 19 de junho. Mas, em sua turnê pelo mundo, já passou pelo Festival de Cinema e Direitos Humanos de Genebra, pelo Festival de Filme Sundance, pelo Cph:dox na Dinamarca, por São Francisco, além de Toronto e Lisboa.

Antes de seu lançamento no Brasil, tive a oportunidade de assistir a obra. Petra não pretende ser imparcial na descrição dos fatos envolvendo os protestos nas ruas em 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo de Michel Temer e a eleição de Jair Bolsonaro.

Num país profundamente dividido, o filme não escapará de fortes críticas por segmentos da sociedade. Mas misturando suas lembranças pessoais e um documentário nos bastidores do poder, Petra brinda de forma eloquente a audiência com imagens pouco conhecidas do dia da votação do impeachment de Dilma e dos últimos momentos de Lula antes de ser levado à prisão.

Independente de sua posição, a diretora, nos momentos mais críticos dos últimos anos da jovem democracia brasileira, esteve com sua câmera no epicentro de um terremoto político. Isso, por si só, já transforma sua produção em um artigo de valor histórico.

Ao tratar do tema político com uma abordagem pessoal, o documentário faz uma aposta ousada. Seu lirismo – seja pelo texto ou pelas imagens – chacoalham.

Petra Costa, diretora do filme.

Por onde passou pelo mundo, a realidade é que o documentário foi recebido por um público que se levantou para aplaudi-lo. Um público que, em parte, não conhecia de forma detalhada os vários atores revelados e nem as voltas surrealistas que a trama política brasileira reservava.

Ainda assim, a obra provou em diferentes países que consegue envolver e atrair a atenção de estrangeiros. O motivo: ele remete a audiência aos riscos que democracias supostamente consolidadas em todo o mundo atravessam.

Em janeiro, numa entrevista concedida durante o Festival Sundance Film Festival, a produtora Joanna Natasegara, resumiu: o documentário ressoa no público estrangeiro por trazes uma mensagem "importante para a comunidade global".

"É um conto do futuro", emendou Petra. "Infelizmente". Para ela, a democracia vive sua "crise de meia idade, o que está afetando todo o mundo".

O filme termina como a sensação de que a democracia respira fundo para tentar sobreviver. Um suspiro compartilhado por parte do público.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)