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Jamil Chade

Nas urnas, suíços aprovam maior controle sobre venda de armas

Jamil Chade

19/05/2019 08h36

 

GENEBRA – Os suíços aprovaram nas urnas neste domingo uma nova Lei de Armas, tornando mais difícil a compra de certos rifles e estabelecendo um maior controle sobre seu fluxo as vendas. A votação representou uma dura derrota para o lobby pró-armas, que alegava que as restrições iriam ferir a independência suíça e mesmo as tradições e valores locais.

Os resultados finais serão anunciados no decorrer do dia. Mas, com praticamente todos os cantões principais já concluindo sua apuração, os novos controles sobre as armas foram aprovados com mais de 60% de apoio. Pesquisas de boca de urna estimam que essa taxa poderia chegar a 67%. Em Genebra, o apoio ao controle foi de 73%, contra 70% em Zurique e 75% na Basileia.

Reconhecendo sua derrota, o partido de direita UDC alertou que o resultado irá "minar os valores tradicionais da Suíça". Para um dos líderes do movimento pró-armas, o deputado Lukas Reimann, a votação foi uma nova demonstração de que a Suíça está "cedendo" à pressão da UE.

O plebiscito ocorreu por conta de uma tentativa por parte de partidos de direita e de grupos pró-armas de derrubar, com o voto popular, uma decisão já aprovada pelo Legislativo e que era defendida pelo governo.

Dois argumentos foram apresentados durante a campanha pelos opositores ao projeto do governo: a lei desarmaria a população e minaria a independência da Suíça que tradicionalmente conta com um exército de milícias.

O partido ainda conseguiu um poderoso aliado: os clubes de tiro da Suíça que, aliados aos grupos pró-armas formaram uma frente para tentar impedir que a nova legislação seja adotada.

Respeitando a democracia direta da Suíça, os grupos conseguiram reunir mais de 120 mil assinaturas em menos de três meses, obrigando o governo a convocar um plebiscito. Chegar a esse número não foi uma tarefa complicada para o partido de direita. Apenas os 2,9 mil clubes de tiro reúnem mais de 130 mil filiados na pequena Suíça.

Com a maioria de seus membros comprando armas semiautomáticas, os clubes passaram a considerar a lei como uma ameaça a um dos esportes mais tradicionais do país.

Mas o que estava em jogo nas urnas ia muito além de um esporte. Para o partido de direita, a campanha era pela suposta liberdade do cidadão, simbolizada pela posse de uma arma. A campanha também tentou insistir na questão da independência e neutralidade da Suíça.

Para o governo, porém, a medida era uma necessidade de adaptar a lei nacional às normas da UE. Apesar de a Suíça não fazer parte do bloco, ela é parte do Acordo de Schengen, tratado que estipula uma livre circulação de pessoas e define fronteiras comuns entre os países do continente.

A partir dos ataques contra o Charlie Hebdo em Paris, em 2015, a UE passou a endurecer suas regras para a venda de certas armas e, por fazer parte do mesmo acordo, os suíços também terão de adotar a nova legislação. Caso contrário, estarão potencialmente excluídos de Schengen.

O governo suíço havia sugerido seguir a linha europeia, o incluiria tornar a compra de armas mais difícil, aumentar a cooperação entre governos e ainda criar um mecanismo para monitorar uma arma.

 

Justificativa

No centro do debate estão as armas semiautomáticas, usadas pelos terroristas em Paris. De acordo com os autores da proposta, a nova lei torna mais difícil que tais armas entrem no mercado clandestino e que abasteça grupos criminosos ou terroristas.

Pela nova lei, donos de armas semiautomáticas terão três anos para registra-las. Quem quiser comprar uma dessas armas terá de preencher formulários e explicar o motivo pelo qual necessita uma arma com tal poder de fogo.

Para quem pratica o tiro, provas a cada cinco anos precisam ser apresentadas para confirmar que o dono da arma de fato frequente um clube e que praticam o tiro com certa regularidade. Também haverá regras claras para colecionadores e até mesmo para museus.

A legislação também afeta os produtores e importadores que serão obrigados a comunicar ao governo cada vez que uma arma, sua peça ou munições são vendidas. A notificação precisa ocorrer num espaço de 20 dias.

Com a aprovação, a lei coloca uma nova situação num país com 8,5 milhões de pessoas, cerca de 2,5 milhões de armas estariam circulando, uma das maiores taxas do mundo. Apenas três países teriam um índice superior: EUA, com 101 armas para cada cem habitantes, Alemanha, com 32 para cada cem pessoas, e a Áustria, com 30 para cada cem cidadãos.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)