O esvaziamento da presidência
"Tudo pequenininho, aí? Foi com essa frase que Jair Bolsonaro, antes de embarcar aos Estados Unidos nesta semana, se dirigiu a um turista asiático. Instantes antes, ao ouvir que o estrangeiro falou a palavra "gostoso", o presidente soltou: "Opa", levantando suas mãos e se afastando do rapaz.
Indecoroso e simplesmente mal-educado, Bolsonaro, em apenas alguns segundos, fez o artigo 9, parágrafo 7 da lei federal 1.079, justificar sua existência. Nela, está previsto que um crime de responsabilidade inclui "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".
Na mesma semana, ele ofendeu seriamente estudantes, professores e cientistas, foi agressivo com uma jornalista e ironizou os protestos pelo País.
No campo externo, foi abandonado pelo governo americano em Dallas, humilhado pela ausência do prefeito da cidade e ridicularizado nos meios diplomáticos por ter evitado Nova Iorque. Seus diplomatas ainda tiveram de abafar a repercussão da sugestão de seu filho, que sugeria o caminho nuclear ao Brasil para que "seja respeitado".
Terminou a semana compartilhando uma carta fúnebre de seu governo, ampliando os temores de uma radicalização.
Isso, obviamente, sem contar com as suspeitas de lavagem de dinheiro envolvendo seu outro filho e a sempre presente paranóia de conspiração que supostamente quer evitar nosso futuro grandioso.
Desde a redemocratização em 1985, a história do País foi permeada por fortes abalos aos ocupantes do cargo de presidente da República. Descobrimos que a palavra impeachment existe no plural e que o banco dos réus não sabe distinguir o status do acusado.
Ainda assim, a avalanche nos últimos dias de incidentes desmoralizadores para o cargo de presidente me remeteu ao livro de Jon Meachan, a "Alma da América". A obra reflete sobre a importância de um país contar com um líder, ainda que não tenha sido eleito por todos. A tese é de que um presidente capaz de dialogar com todas as alas e assumir suas responsabilidades é fundamental para resgatar uma sociedade de uma crise profunda.
No caso de Meachan, a inspiração para a obra era dar uma resposta à chegada de Donald Trump ao poder. Mas não há como não pensar em um paralelo com o momento mais recente de nossa República e de uma sociedade em crise.
O livro abre com uma passagem forte da história americana: a eleição de 1948 e a campanha de Strom Thurmond. Para tentar se eleger, ele havia criado uma ofensiva contra o programa de direitos civis propostos por Truman, que incluía ações de combate à discriminação racial no país.
Para Thurmond, tal política era uma conspiração comunista infiltrada e disfarçada pela capa dos direitos humanos. Ele, portanto, seria a única salvação contra a esquerda. Mais de 70 anos depois, o discurso é assustadoramente parecido ao que podemos escutar hoje no governo brasileiro.
Na base, a estratégia hoje em Brasilia ou em 1948 nos estados do Sul dos EUA é a mesma: construir um inimigo e alimentar um contínuo sentimento de medo na sociedade.
O medo, sem dúvida, é um poderoso instrumento político. "Nenhuma paixão, de forma tão efetiva, roubou a mente de todo seu poder de ação e de razão como o medo", dizia Edmund Burke.
Mas, se esse medo é eficiente para vencer uma eleição, ele é profundamente incompetente para garantir a administração de um país, superar o desemprego, fazer o dólar cair, evitar uma recessão, proteger os direitos humanos, dar educação, resguardar o patrimônio natural e delinear o futuro.
No cargo de presidente, uma pessoa se transforma em responsabilidade. Ou, como explicou Lyndon Johnson, "o homem se transforma em seus compromissos". "Ele entende quem ele realmente é", disse.
Mas hoje temos um presidente que optou por escolher uma grande parte da sociedade como inimiga. Optou por ofender e não por construir pontes. Optou por um discurso bélico, e não pelo diálogo.
Com isso, o que talvez não tenha entendido é que passou a minar sua própria capacidade de liderança, abalando diariamente a influência de suas palavras e acelerando sua irrelevância.
Esvaziada, a presidência se transforma em um foco de instabilidade perigosa para um país onde a democracia já demonstrou não ser sólida e que precisa, de forma urgente, de um governo.
Uma presidência que, mesmo sem uma oposição com credibilidade, fica a cada dia mais perdida…e "pequenininha".
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