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Jamil Chade

Relator da ONU avaliará impacto de barragens em comunidades no Brasil

Jamil Chade

06/05/2019 17h30

 


GENEBRA –  Um relator da ONU viajará ao Brasil para examinar a situação das comunidades afetadas pelas barragens no País. A visita foi acertada entre o especialista e o governo de Jair Bolsonaro. Mas ocorrerá apenas no final de 2019.

Baskut Tuncak, o relator especial sobre as Implicações para os Direitos Humanos da Gestão e Disposição Ambientalmente Adequada de Resíduos e Substâncias Tóxicas, já havia solicitado em 2018 uma visita ao Brasil, justamente para vistoriar a situação das populações que foram impactadas por rompimentos ou pela contaminação de rios.

Naquele momento, porém, o governo de Michel Temer não deu o sinal verde para as viagens de relatores das Nações Unidas. Oficialmente, o Brasil tem uma política de portas abertas a todos os relatores da ONU. Mas condiciona as visitas a um acordo sobre datas.

O Itamaraty, no ano passado, explicou que a visita de Tuncak não havia ocorrido por conta das eleições no Brasil, que dominaram o segundo semestre do ano.

Agora, o trajeto do relator começa a ser desenhado. Mas entre os locais em negociação estarão Brumadinho e outras regiões afetadas pelos desastres causados pelas barragens da empresa Samarco.

Numa carta de 12 de abril deste ano, o governo indicou sua disposição em receber o relator. Cinco dias depois, em resposta, o especialista sugeriu que a visita ocorresse em dezembro. A partir de sua missão, um relatório será preparado e apresentado aos demais países, na ONU.

"O Relator Especial sobre as Implicações para os Direitos Humanos da Gestão e Disposição Ambientalmente Adequada de Resíduos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, virá ao Brasil em dezembro, em data a ser definida entre as partes", declarou o Itamaraty, em um email ao blog.

Além de conhecer a situação das barragens, a questão das leis do país deve ser avaliadas. Nos últimos meses, o relator deixou ainda claro que a situação das barragens e de substâncias tóxicas devem também ser uma responsabilidade de empresas, e não apenas do governo.

No caso de Brumadinho, segundo ele, a Vale deve "atuar de acordo com sua responsabilidade para identificar, prevenir e mitigar impactos adversos nos direitos humanos; a cooperar plenamente com as autoridades que investigam o desastre; e prover, ou cooperar, para remediar danos causados através de processos legítimos".

 

 

Alerta

No início do ano, num duro comunicado ao governo brasileiro, os relatores da ONU pediram uma "investigação imediata, completa e imparcial" em relação ao colapso da barragem de rejeitos em Minas Gerais. Os especialistas ainda alertaram para os riscos da flexibilização proposta em leis ambientais e pedem que nenhuma nova barragem seja construída ou autorizada até que a segurança esteja assegurada.

A declaração era assinada também por Baskut Tuncak, assim como por Léo Heller, relator para os direitos humanos à água potável segura e ao esgotamento sanitário, pelo Grupo de Trabalho sobre direitos humanos e corporações transnacionais e por David Boyd, relator da ONU para os direitos humanos e o meio ambiente.

"A tragédia exige responsabilização e põe em questão medidas preventivas adotadas após o desastre da Samarco em Minas Gerais há apenas três anos, quando uma inundação catastrófica de resíduos de mineração próximo a Mariana matou 19 pessoas e afetou a vida de milhões", disseram os especialistas.

"Incitamos o governo a agir decisivamente em seu compromisso de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar mais tragédias desse tipo e levar à justiça os responsáveis pelo desastre", pediram os relatores.

Leis

Os especialistas, porém, também apontaram para o risco que representa uma flexibilização das leis. Num comunicado, eles afirmaram estar "preocupados" com "as medidas de desregulamentação em matéria de proteção ambiental e social tomadas nos últimos anos no Brasil".

"Conclamamos o governo brasileiro a priorizar as avaliações de segurança das barragens existentes e a retificar os processos atuais de licenciamento e inspeção de segurança para evitar a recorrência desse trágico incidente", disseram. "Além disso, conclamamos o governo a não autorizar nenhuma nova barragem de rejeitos nem permitir qualquer atividade que possa afetar a integridade das barragens existentes, até que a segurança esteja garantida", pediram.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)