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Jamil Chade

Quando jornalistas são silenciados, também fica muda a democracia

Jamil Chade

03/05/2019 13h44


GENEBRA – A comunidade internacional celebra hoje o dia mundial da liberdade de imprensa. Neste ano, o tema é especialmente relevante: jornalismo e eleições em tempos de desinformação.

Não são poucos os casos em que a manipulação de fotos, textos e fatos influenciaram os resultados de um pleito pelo mundo nos últimos anos. De esquerda ou direita, partidos tem se utilizado das novas tecnologias para fazer chegar sua mensagem ao eleitor, nem sempre de forma honesta.

A estratégia da desinformação, porém, vem acompanhada por outra ação: os ataques contra jornalistas profissionais, organizados e instigados pelos próprios líderes políticos que preferem controlar a comunicação e evitar ter de dar respostas a perguntas nem sempre confortáveis.

A tática é relativamente simples: deslegitimar a imprensa e, depois, criar canais próprios de comunicação para fazer chegar a suposta informação que desejam aos cidadãos. Informação, neste caso, construída para atender a um objetivo político. E não para informar.

Neste ano, um dos casos que chamou a atenção internacional ocorreu no Brasil. Um site lançou ataques contra a repórter do jornal O Estado de S. Paulo, Constança Rezende, reproduzindo de forma falsa uma fala dela em uma conversa pelo telefone. A manipulação de sua fala sobre Flávio Bolsonaro foi, logo depois, divulgada pelas redes sociais do próprio presidente Jair Bolsonaro. Quem assinava a matéria do site, porém, mantinha um cargo no gabinete de um deputado do PSL.

Há poucas semanas, os responsáveis pelo conteúdo desse site chegaram a colocar nas redes sociais uma insinuação de que o incêndio em Notre Dame teria uma relação com ataques de muçulmanos. "A Revolução Francesa e nem mesmo DUAS Guerras Mundiais acabaram com a Catedral de Notre Dame, mas قوانين الشريعة… digo, o incêndio conseguiu", escreveu um dos responsáveis pelo site, sem qualquer tipo de provas. A polícia francesa confirmou que não houve qualquer sinal de um atentado.

Hoje, esse site faz parte do clipping de imprensa distribuído pelo Itamaraty a seus embaixadores pelo mundo, de forma diária.

Na Venezuela, Nicolas Maduro também entendeu que parte de sua luta contra Juan Guaidó teria de passar pelo controle das redes sociais e pela imprensa. Assim que a operação do opositor foi iniciada, a internet no país passou a falhar, dificultando o circuito de informação. Quando foi sua vez de fazer um pronunciamento à nação, os sistemas misteriosamente voltaram a funcionar. Mas, instantes depois de sua alocução e uma vez mais de forma mágica, a Internet caiu.

Em apenas três dias do novo capítulo da crise venezuelana, dez jornalistas foram alvos de ataques. Cinco deles foram baleados.

Tão preocupante como a desinformação é a impunidade que paira e a facilidade com a qual a censura, a morte e a prisão são usadas pelo mundo para impedir a publicação de uma informação.

De acordo com dados da Transparência Internacional, 368 jornalistas foram mortes entre 2012 e 2018 no exercício de seus trabalhos. Mas o que mais choca é que 20% deles – 70 profissionais do setor de comunicações – foram assassinatos enquanto investigavam temas relacionados com a corrupção e política.

Ou seja, um a cada cinco assassinatos de jornalistas tem uma relação direta com a corrupção, e não com conflitos armados.

Portanto, quando jornalistas são silenciados – por bala, pela "queda" da Internet, num calabouço escuro ou por um martelo escorregadio de um juiz -, podem ter certeza: também fica muda a democracia.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)