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Jamil Chade

Suíça congela quase US$ 20 milhões em contas relacionadas a Angra 3

Jamil Chade

27/04/2019 04h00

O ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva (Alan Marques/Folhapress)

Por Jamil Chade e Leandro Prazeres

 

GENEBRA E BRASÍLIA – As autoridades da Suíça descobriram e congelaram US$ 19,9 milhões em contas relacionadas às suspeitas de pagamento de propinas referentes às obras de Angra 3 e com o envolvimento do almirante reformado e ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro e sua filha, Ana Cristina Toniolo. Procurada, a defesa de Othon e sua filha negou a existência do bloqueio e que a dupla tenha recebido vantagens ilegais (leia mais abaixo).

Os valores são superiores aos pagamentos de propinas denunciados originalmente no processo de 2016 e, de acordo com Berna, uma nova fase da investigação ainda está em curso.

Documentos do Tribunal Federal da Suíça de março de 2019 obtidos pelo UOL revelam que a defesa de Othon tentou desbloquear os recursos, alegando que os valores congelados pelo Ministério Público no país europeu eram desproporcionais às suspeitas que pesam sobre ele e sua filha.

No Brasil, a Justiça o condenou a 43 anos de prisão por cobrar propina em contratos com as empreiteiras Engevix e Andrade Gutierrez no âmbito das obras da usina nuclear de Angra 3.

A filha de Othon, Ana Cristina da Silva Toniolo, foi condenada a 14 anos e 10 meses de prisão. De acordo com o MPF, os pagamentos de propina eram feitos à empresa Aratec, de Ana Cristina e Othon.

Mas a disputa pela recuperação do dinheiro supostamente desviado não terminou. De acordo com os documentos de Berna, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu assistência jurídica à Suíça em 7 de dezembro de 2017. Eram solicitados os bloqueios de quatro contas.

Em 10 de janeiro de 2018, a Procuradoria-Geral da Suíça respondeu ao pedido de assistência jurídica. "Ainda como providência cautelar de 10 de janeiro de 2018, a Procuradoria-Geral da Suíça ordenou a penhora dos bens nas contas bancárias", indicaram as autoridades suíças.

O resultado: "A conta bancária nº 1 tinha um saldo de USD 15.292.190 em 30 de junho de 2018. Conta bancária nº 2 tinha um saldo de USD 4.608.446,00 em 30 de junho de 2018".

Para os donos das contas, porém, a "apreensão foi desproporcional" e "não resultaria que os bens confiscados tivessem origem criminosa".

A defesa insiste que não existe relação entre os valores descobertos nessas contas e a condenação no Brasil, ainda de 2016. Se tal congelamento fosse necessário, a base da sentença envolveria US$ 3,2 milhões, e não a totalidade dos recursos encontrados. Segundo eles, portanto, "o bloqueio de toda a relação bancária viola o princípio da proporcionalidade".

Os advogados ainda argumentam que o MP suíço "excedeu seu poder discricionário e prestou assistência jurídica para um procedimento para o qual o Brasil não reclamou ou não desejava qualquer assistência jurídica".

Argumento

O tribunal suíço, porém, não aceitou a queixa. "É verdade que o pedido de assistência judiciária e os seus anexos, bem como os extratos de conta apresentados, não apresentam quaisquer transações relativas aos dados da conta do administrador da gravidade que constituam claramente fluxos de caixa ilícitos", indicou.

Mas explicam a decisão que bloqueou os recursos disse que, "nos termos do direito suíço, presume-se que os bens de uma pessoa que tenha participado ou apoiado uma organização criminosa são propriedade da organização até prova em contrário".

Além disso, o que se descobriu é que a estrutura das contas encontradas era semelhante à que os suspeitos já tinham utilizado para a transferência de fundos alegadamente ilícitos.

Para completar, os suíços alegam que a condenação de 3 de agosto de 2016, "não exclui nem limita confiscos posteriores no complexo de processos". "O processo penal suíço revela que as investigações estão ainda em curso no Brasil", destaca.

"O confisco (das contas) é, por conseguinte, admissível e deve prosseguir. A queixa é infundada", completa o tribunal.

Ligação com Temer

Em março, a força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro deflagrou a Operação Descontaminação, que culminou na prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) por suspeitas de ele ter recebido propina por contratos com a Eletronuclear, estatal responsável por Angra 3 e que foi presidida por Othon.

Os procuradores brasileiros pediram a prisão de Othon e sua filha, mas o juiz federal Marcelo Bretas negou.

Segundo os investigadores, autoridades suíças informaram, que mesmo após terem sido condenados, Othon Luiz e Ana Cristina tentaram movimentar contas na Suíça das quais eles apareceriam como beneficiários.

Para os investigadores, as tentativas e movimentações mostram que a dupla tentava esconder dinheiro no país europeu mesmo após terem sido sentenciados pela Justiça brasileira.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, Othon Luiz Pinheiro participou do esquema que desviou recursos da Eletronuclear para abastecer uma empresa ligada ao ex-presidente Michel Temer. A defesa de Temer nega seu envolvimento nas irregularidades.

O esquema funcionaria com a intermediação do coronel reformado da PM João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, apontado como principal operador financeiro de Temer.

Segundo as investigações, Lima era sócio de uma empresa chamada Argeplan. De acordo com depoimento do delator José Antunes Sobrinho, a empresa de Lima foi incluída em um consórcio para escolhido pela Eletronuclear para realizar obras na usina de Angra 3 mesmo sem ter a qualificação técnica para isso.

Segundo Antunes, a inclusão da Argeplan no consórcio tinha o objetivo de repassar recursos para o esquema.

Outro lado

A reportagem do UOL procurou o advogado Fernando Fernandes, que defende Othon Pinheiro e sua filha. Contrariando o que dizem os documentos da Justiça suíça, Fernandes negou que o valor tenha sido bloqueado e que Othon tenha recebido recursos ilícitos.

"Não foi bloqueado 20 milhões [de dólares] de Othon. Isso é um número virtual. Foi bloqueado o valor de sua aposentadoria. Othon nunca recebeu qualquer vantagem indevida, sempre recebendo fruto de seu trabalho. Suas filhas não têm relação com os fatos. Quanto ao mais, a defesa irá se pronunciar no momento oportuno", disse Fernandes.

Confrontado com as informações da sentença do tribunal suíço, ele apenas respondeu que não iria se referir a "nenhum documento estrangeiro constante dos autos". "Eles serão tratados na defesa escrita. A defesa não reconhece nenhum desses documentos. Eles fazem parte da versão acusatória", declarou.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)