Topo

Jamil Chade

Procuradores recorrerão contra a absolvição de cartola ligado à CBF

Jamil Chade

25/04/2019 06h46

GENEBRA – Procuradores espanhóis anunciam que irão recorrer da decisão do tribunal em Madri que optou por absolver Sandro Rosell por acusações de lavagem de dinheiro e crimes relacionados com contratos na CBF.

Um recurso, portanto, deve ser apresentado nos próximos dias à Audiência Nacional, sob a justificativa de que havia uma discrepância na interpretação jurídica que o tribunal realizou sobre os fatos apresentados. Outro fator considerado foi a constatação do tribunal de que a abertura do inquérito por parte dos procuradores foi uma decisão "razoável". Para eles, essa avaliação foi um sinal de que os indícios colhidos davam motivos para, de fato, abrir um inquérito.

Rosell era acusado de ter sido o cabeça de um esquema que lavou milhões de euros, a partir de amistoso da seleção brasileira e contratos com a Nike. Os contratos foram revelados pelo autor deste blog, em 2013, na época publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. De acordo com a sentença de Madri, a Justiça americana usou a reportagem para abrir um inquérito e pediu a colaboração dos espanhóis.

Em documento, tribunal espanhol revela que autoridades americanas abriram investigações depois de matéria publicada no Brasil.

 

O tribunal não nega que os pagamentos, desconhecidos até 2013, tenham ocorrido. Mas considerou que existiam dúvidas sobre a existência do crime e que, portanto, vingaria o princípio "in dubio pro reo", uma referência em latim para estimar que, quando em dúvida, prevalece a presunção de inocência do acusado.

A Audiência Nacional estimou que não existiam provas suficientes de lavagem de dinheiro para o condenar e que, diante das dúvidas, optou por rejeitar o pedido da procuradoria por seis anos de prisão ao ex-dirigente. Rosell havia ficado 21 meses em prisão preventiva.

As investigações também apontavam para o envolvimento de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF e que teria mantido contas no exterior, abastecidas justamente com esses recursos dos amistosos.

"Entre 2007 e 2011, foram realizadas operações financeiras tendentes a ocultar a verdadeira procederia e titularidade de fundos por um importante total de 14,9 milhões de euros, que se desviaram em prejuízo da CBF e a favor de seu presidente, o sr. Ricardo Terra Teixeira", disse o documento da Audiência Nacional datado de 23 de maio de 2018.

"Graças a Rosell, se organizou um emaranhado de contas para ocultar os fundos", denuncia. Ele negava qualquer irregularidade, enquanto seus advogados na Espanha insistem que ele ajudou a CBF a aumentar sua renda.

Para a Justiça, não houve uma prova de que a CBF tenha sido prejudicada por conta do dinheiro pago e que os valores poderiam ser honorários de fato pagos a Rosell por conta de sua intermediação para a realização dos jogos da seleção.

De fato, uma das provas da defesa foi uma carta assinada pela própria CBF em que a entidade brasileira insistia que não havia sido prejudicada. "A CBF nega ter padecido", indicou a sentença final. "Ela vai além e mantem que, no longo prazo, foi beneficiada pela conclusão do contrato", constata o Tribunal.

A Justiça admite que apenas esse argumento "não convence", já que de fato o valor recebido pela CBF poderia ter sido maior. O que seria mais relevante é de que, de fato, os pagamentos a Rosell a partir de cada uma das partidas foram realizados por conta de seus serviços reais para intermediar os amistosos.

Ainda foi considerado que a companhia usada pelo catalão, a Uptrend, não poderia ser vista como uma empresa de fachada, apesar de não ter sequer uma estrutura. Isso desmontaria a tese de que a empresa teria sido criada para justificar pagamentos ocultos.

Teixeira não foi julgado, já que seu caso, ainda em 2017, foi transferido para que o Ministério Público brasileiro pudesse o acusar. Mas outro argumento considerado foi o fato de que a CBF ser uma entidade privada, um mantra adotado entre seus cartolas. Teixeira, portanto, não poderia ser considerado como um funcionário público e, pelas leis no Brasil, não se aplicaria punições por corrupção entre particulares.

Enriquecido – Mesmo sem a condenação, a sentença final deixa claro que os pagamentos ocorreram e que a seleção brasileira enriqueceu os dirigentes. Em nenhum momento da decisão, a Justiça nega que as transferências milionárias ocorreram. Mas insistiram que não existiam provas suficientes para condenar os acusados.

O documento, por exemplo, deixa claro que Ricardo Teixeira continua sendo alvo da Justiça americano.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)