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Jamil Chade

Espanha absolve cartola por acusação relativa aos amistosos da CBF

Jamil Chade

24/04/2019 07h09

GENEBRA – A Justiça da Espanha absolveu o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, que havia sido acusado de participar de um esquema de desvio de dinheiro em jogos da seleção brasileira. O tribunal considerou que existiam dúvidas e que, portanto, vingaria o princípio "in dubio pro reo", uma referência em latim para estimar que, quando em dúvida, prevalece a presunção de inocência do acusado.

A Audiência Nacional estimou que não existiam provas suficientes de lavagem de dinheiro para o condenar e que, diante das dúvidas, optou por rejeitar o pedido da procuradoria por seis anos de prisão ao ex-dirigente. Rosell havia ficado 21 meses em prisão preventiva.

A investigação começou na Espanha em 2017 por conta de suspeitas de que Rosell recebeu milhões de euros, supostamente por serviços prestados durante mais de uma dezena de amistosos do Brasil a partir de 2006. Os documentos da acusação ainda apontavam que "Rosell foi o máximo responsável por uma organização dedicada a lavagem de dinheiro".

As investigações também apontavam para o envolvimento de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF e que teria mantido contas no exterior, abastecidas justamente com esses recursos dos amistosos. A investigação ocorreu em colaboração entre agentes americanos e espanhóis e tomou, como uma das bases, reportagem publicada por este reporter em 2013.

"Entre 2007 e 2011, foram realizadas operações financeiras tendentes a ocultar a verdadeira procederia e titularidade de fundos por um importante total de 14,9 milhões de euros, que se desviaram em prejuízo da CBF e a favor de seu presidente, o sr. Ricardo Terra Teixeira", disse o documento da Audiência Nacional datado de 23 de maio de 2018.

"Graças a Rosell, se organizou um emaranhado de contas para ocultar os fundos", denuncia. Ele negava qualquer irregularidade, enquanto seus advogados na Espanha insistem que ele ajudou a CBF a aumentar sua renda.

Para a Justiça, não houve uma prova de que a CBF tenha sido prejudicada por conta do dinheiro pago e que os valores poderiam ser honorários de fato pagos a Rosell por conta de sua intermediação para a realização dos jogos da seleção.

De fato, uma das provas da defesa foi uma carta assinada pela própria CBF em que a entidade brasileira insistia que não havia sido prejudicada. "A CBF nega ter padecido", indicou a sentença final. "Ela vai além e mantem que, no longo prazo, foi beneficiada pela conclusão do contrato", constata o Tribunal.

A Justiça admite que apenas esse argumento "não convence", já que de fato o valor recebido pela CBF poderia ter sido maior. O que seria mais relevante é de que, de fato, os pagamentos a Rosell a partir de cada uma das partidas foram realizados por conta de seus serviços reais para intermediar os amistosos.

Ainda foi considerado que a companhia usada pelo catalão, a Uptrend, não poderia ser vista como uma empresa de fachada, apesar de não ter sequer uma estrutura. Isso desmontaria a tese de que a empresa teria sido criada para justificar pagamentos ocultos.

Teixeira não foi julgado, já que seu caso, ainda em 2017, foi transferido para que o Ministério Público brasileiro pudesse o acusar. Mas outro argumento considerado foi o fato de que a CBF ser uma entidade privada, um mantra adotado entre seus cartolas. Teixeira, portanto, não poderia ser considerado como um funcionário público e, pelas leis no Brasil, não se aplicaria punições por corrupção entre particulares.

Para completar, o tribunal considerou que não existem provas suficientes para sustentar que um pagamento entre Rosell e Teixeira, de US$ 5 milhões, tenha sido parte de um esquema de lavagem de dinheiro por conta de pagamentos ilegais resultantes do acordo entre Nike e CBF.

Para o tribunal, portanto, os argumentos da defesa foram suficientes para colocar dúvidas sobre os informes policiais de americanos, espanhóis e das autoridades de Andorra. A lavagem de dinheiro, assim, não poderia sem provada sem que dúvidas fossem levantadas.

Enriquecido – Mesmo sem a condenação, a sentença final deixa claro que os pagamentos ocorreram e que a seleção brasileira enriqueceu os dirigentes. Em nenhum momento da decisão, a Justiça nega que as transferências milionárias ocorreram. Mas insistiram que não existiam provas suficientes para condenar os acusados.

O documento, por exemplo, deixa claro que Ricardo Teixeira continua sendo alvo da Justiça americana, onde foi indiciado.

Para os procuradores espanhóis, porém, o esquema servia para desviar recursos e uma parte substancial iria justamente para Teixeira, na época presidente da CBF. A procuradoria espanhola aponta como a Polícia de Andorra chegou à constatação de que Teixeira também era o principal beneficiário da empresa Arvenel International Limited, criada nas Ilhas Virgens.

A empresa recebeu da Fundação Regata US$ 862 mil entre 2008 e 2010, além de outros 219 mil euros em 2011.

A Fundação Regata, por sua vez, recebia seus recursos da Uptrend, empresa em nome de Rosell e que mantinha um contrato envolvendo a seleção. Nesse mesmo período, foram transferidos para ela 1,6 milhão de euros e US$ 310 mil.

A rota desse dinheiro termina nos EUA. A Arvenel transferiu US$ 2,1 milhões para a sociedade Silver Sands, na Flórida. O objetivo era o pagamento de um apartamento em Coral Gables, 2516, Ponce de León.

Segundo a Justiça espanhola, esse não era o único caminho do dinheiro. A empresa Itasca, criada no Panamá, recebeu da Fundação Regata diversos depósitos a partir de 2007 (320 mil euros e US$ 335 mil), além de outros 973 mil euros da Uptrend, a empresa de Rosell.

A Itasca ainda recebeu em 2011 US$ 1 milhão da Extermine Travel, que por sua vez recebeu o mesmo valor da Klefer, empresa envolvida nas investigações do FBI sobre a corrupção na CBF-.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)