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Jamil Chade

Em tempos obscuros, o dia do livro é praticamente um dia revolucionário

Jamil Chade

23/04/2019 16h56

 

 

GENEBRA – "Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário". Poucas vezes a citação de George Orwell esteve tão adequada como neste momento em que falsos filósofos se apresentam como guias intelectuais e o acesso à informação, a censura e a desinformação foram banalizadas.

Neste 23 de abril, marca-se o dia internacional do livro. Confesso que nunca fui grande entusiasta dessas datas estabelecida por instituições distantes da sociedade, com efeitos mais que questionáveis.

Mas num período em que o óbvio parece ter se perdido por um caminho obscuro, em que a ciência é vista como uma ameaça e a arte como uma rebelião subversiva, a data ganha um novo significado.

Não por imaginar que um decreto poderia permitir uma maior venda de livros nesta data. Mas por escancarar a necessidade de dar um grito de que a ignorância não irá vingar. Um alerta de que a intolerância não será tolerada e que apenas o conhecimento poderá construir canais de diálogo.

Em Paris, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, resumiu nesta terça-feira o papel do livro: "Nesta época turbulenta, os livros representam a diversidade da genialidade humana, dão forma à riqueza de nossas experiências, transmitem a busca pelo significado e pela expressão que todos nós compartilhamos e que fazem avançar as sociedades".

Para ela, os livros "são aliados na difusão da educação, das ciências, da cultura e da informação para todas as partes do mundo". A palavra escrita, segundo a chefe da Unesco, consegue abrir caminho "para o respeito e a compreensão mútua entre as pessoas, independentemente das fronteiras e das diferenças".

"Os livros ajudam a unir a humanidade em uma só família, compartilhando um passado, uma história e um patrimônio, a fim de construir um destino comum, onde todas as vozes são ouvidas em um grande coro de aspiração humana", completou.

No fundo, o dia internacional do livro em 2019 praticamente poderia ser batizado de dia internacional da resistência.  Em tempos obscuros e quando algumas dezenas de caracteres nas redes sociais são considerados como suficientes, abrir um livro já é um ato revolucionário.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)