Topo

Jamil Chade

Odebrecht usou contas suíças para subornar políticos e militares africanos

Jamil Chade

03/04/2019 05h07

Placa anuncia obra da Odebrecht em Luanda, em 2007. Foto: Eduardo Knapp/Folha Imagem

Um dos suspeito no governo de Angola viajou ao Brasil e chegou a assumir a posição de diretor de banco estatal

GENEBRA – Contas secretas na Suíça foram usadas pela construtora brasileira Norberto Odebrecht para distribuir milhões de dólares para o alto escalão do governo de Angola.

Os dados fazem parte de documentos oficiais dos tribunais suíços que revelam como, mesmo depois de iniciada a Operação Lava Jato, um dos membros do governo africano sob investigação, Carlos Panzo, não apenas foi mantido em seu cargo, mas até mesmo ganhou uma promoção.

Ao longo de anos, Panzo desempenhou diversas funções no gabinete e na área de finanças do ex-presidente José Eduardo dos Santos. Foi o diretor do gabinete de acompanhamento macroeconômico do Ministério da Economia em 2009, coordenador da Comissão de Gestão do Fundo Habitacional e presidente do Conselho Fiscal da Sonangol.

Em 2012, Panzo esteve em Brasília para preparar a visita do ministro angolano das Finanças, Carlos Alberto Lopes, que estaria com o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Na época, ele era o diretor da Unidade de Dívida Pública do Ministério das Finanças. Oficialmente, Panzo buscava o apoio financeiro do Brasil para projetos da reconstrução do sector da energia, infra-estruturas e indústria.

Em dezembro de 2016, enquanto o Departamento de Justiça dos EUA anunciava amplas denúncias contra a Odebrecht, Panzo seria colocado como administrador-executivo do Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA).

Naquele mesmo mês, o Departamento de Justiça dos EUA apontava que a Odebrecht havia pago propinas no valor de mais de US$ 50 milhões entre 2006 e 2013 para membros do governo de Angola. Em troca, ficou com contratos avaliados em US$ 261 milhões.

Panzo, porém, foi mantido no governo em Luanda. Quando João Lourenço assumiu a presidência, colocando fim às décadas de José Eduardo dos Santos, o funcionário também ganhou novos cargos. Em setembro de 2017, ele foi escolho como secretário para Assuntos Econômicos da presidência de Angola.

Mas Panzo passou a ser alvo de um processo por lavagem de dinheiro na Suíça e, em outubro, perdeu sua posição no governo. A suspeita é de que sua conta era também um local de passagem para recursos que eram redistribuídos a outros políticos africanos.

No total, os suíços descobriram uma conta em nome de uma offshore que tinha o angolano como beneficiário. Apenas por essa conta em Genebra, mais de US$ 11 milhões foram movimentados e, de acordo com a investigação, o dinheiro foi depositado pela Odebrecht.

Os depósitos foram realizados entre 2010 e 2014, por três empresas ligadas à construtora brasileira. Quando as contas foram bloqueadas, em 2017, apenas US$ 3 milhões ainda estavam depositados.

As investigações revelam que o angolano teria recebido 1,7 milhões de euros em 2013, por um contrato obtido pela Odebrecht em seu país. Um militar angolano também foi beneficiado por recursos que partiram da mesma conta. A apuração também descobriu pagamentos a partir da mesma conta suíça em 2015 a um filho de um ministro de Finanças de Angola.

Entre 2002 e 2016, o BNDES contratou US$ 4 bilhões em empréstimos com o país africano, a maioria para projetos da Odebrecht, como a construção da Hidrelétrica de Laúca. Em Angola, o BNDES financiou obras como a Barragem Hidrelétrica de Cambambe, Projeto "Vias de Luanda", Praça da Paz em Luena, Programa de Realojamento das Populações no Zango, Estrada Catata-Lóvua.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)