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Jamil Chade

Investigação revela depósitos de subornos no acordo CBF-Nike

Jamil Chade

25/03/2019 04h00

Caso envolvendo Ricardo Teixeira, que já era investigado nos EUA, ganha força com depósitos identificados por procuradores espanhóis que apuravam corrupção no futebol

 
GENEBRA – Uma rede de contas em paraísos fiscais poderia ser o indício que faltava para uma comprovação de que o acordo assinado entre a Nike e a CBF rendeu milhões de dólares em propinas ao ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira.

As informações fazem parte dos processos na Espanha contra os dirigentes do futebol e que revelam que o ex-presidente da CBF é alvo de investigações em Andorra, nos EUA, na Suíça e na própria Espanha.

Nesta segunda-feira, tem início o período final do julgamento de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona e parceiro comercial de Ricardo Teixeira. Ele é suspeito de ter orquestrado um sistema para desviar milhões de euros da renda de amistosos da seleção brasileira.

Mas documentos do Ministério Público da Espanha revelam que, ainda que o processo tenha os jogos como ponto central, os investigadores descobriram que a amizade de Rosell com Teixeira ia muito além dos amistosos.

Ao fazer uma operação de buscas em maio de 2017 numa das casas de Rosell, em Girona, a polícia espanhola afirmou que descobriu um documento assinado entre a CBF, Nike e Ailanto, com data de 21 de novembro de 2011. Eram três páginas em que aparecem as assinaturas de Teixeira e Rosell.

Ailanto é uma empresa que o espanhol criou no Brasil, dias antes de uma partida que ele mesmo organizou entre Brasil x Portugal. O que os documentos revelam, porém, é que a participação da empresa com a CBF ia além daquela partida.

"Trata-se do término de um contrato de serviço de 6 de novembro de 2008 pelo qual a Ailanto, empresa brasileira de Rosell, atuava como intermediárias nas negociações entre a CBF e a empresa de roupas esportivas Nike, patrocinadora da seleção", explica o MP espanhol.

O contrato original previa que Rosell obtivesse US$ 26 milhões "por sua intervenção como suposta intermediária entre a CBF e a Nike". Em sua rescisão, estabelece-se que Rosell ficaria com US$ 12 milhões.

De acordo com os investigadores, porém, Teixeira depositou numa conta de uma empresa de fachada, a Regata, 5 milhões de euros em 2009. A Regata tinha como seu principal controlador o próprio Rosell.

Mas o que investigadores também concluíram é que o dinheiro acabou continuando sua rota e transitou por outras contas "sem relação comercial ou econômica que se justifique". Dessas novas contas, uma vez mais o dinheiro seguiria para outras contas.

Em 2011, por exemplo, 219 mil euros foram parar numa conta que, uma vez mais, era de Ricardo Teixeira. Em 2009, três depósitos ainda seriam feitos ao brasileiro, também sem justificativa.

Também consta que o ex-secretário-geral da Fifa, Jerome Valcke, recebeu dois depósitos da conta Regata. Em 18 de março de 2009, foram 227 mil euros. Em 22 de junho, mais 370 mil euros. Nenhuma justificativa foi apresentada. O francês foi quem, em plena preparação do Brasil para a Copa de 2014, sugeriu que o País recebesse um "chute no traseiro" pelos atrasos nas obras.

Em 2009, enquanto recebia dinheiro de contas relacionadas com os suspeitos, ele era também que conduzia as preparações da Fifa para o Mundial de 2014.

SUSPEITA – A suspeita dos investigadores é de que a rede de contas e os depósitos tenham servido para que Teixeira "ocultasse pelo menos uma parte da comissão ilícita que ele recebeu da Nike por formalizar seu contrato de patrocino com a CBF, fragmentando o valor e se distanciamento da origem criminosa".

De acordo com os espanhóis, esses dados constam das investigações que também ocorrem nos EUA "nas que resultam implicados Teixeira e Valcke".

Ao descrever Teixeira, o MP suíço aponta que Teixeira deveria ter como função "velar pelos interessas da entidade que representava". Mas aponta que o brasileiro "resolveu fazer suas parte das contra-prestações acertadas com as empresas que contratavam a entidade esportiva que ele representava".

Para os espanhóis, tal gesto deve ser considerado como "um claro abuso de sua posição e em prejuízo aos interesses" da CBF.

Ao longo dos anos, Teixeira sempre afirmou que nada que fez violava as regras e leis no Brasil.

 

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)