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Jamil Chade

Relatores da ONU exigem que Brasil descubra quem mandou matar Marielle

Jamil Chade

14/03/2019 12h45

Diante da ONU, protesto marca o 1o aniversário do assassinato de Marielle Franco. Foto: Jamil Chade

 

De forma inédita, mais de dez relatores e especialistas da ONU se unem para mandar um recado duro ao governo brasileiro, no aniversário da execução de Marielle Franco

 

GENEBRA – Não basta apenas prender aqueles que executaram Marielle Franco. O alerta é de relatores da ONU que, num duro comunicado, deixaram claro que o Brasil tem a obrigação de punir os "responsáveis intelectuais" pelo crime que completa nesta quinta-feira seu primeiro aniversário.

"O Brasil deve garantir que os assassinos da defensora de direitos humanos e vereadora Marielle Franco sejam levados à justiça", aponta o documento publicado por mais de dez relatores da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Além do comunicado, a entidade internacional tem usado o caso de Marielle para pressionar o governo brasileiro a se comprometer na defesa de ativistas de direitos humanos.

Em um ano, duas cartas confidenciais foram enviadas pelos relatores da ONU para Brasília para pressionar as autoridades.

Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros em seu carro no dia 14 de março de 2018. Dois ex-policiais suspeitos de participar do assassinato foram presos no dia 12 de março de 2019.

Para os relatores da ONU, a prisão dos ex-policiais não é suficiente. "O assassinato de Marielle Franco é um ataque ao coração de uma sociedade democrática e um caso emblemático das ameaças enfrentadas pelos defensores de direitos humanos no Brasil", disseram os especialistas.

"Se o Estado não fizer justiça neste caso, enviará uma mensagem alarmante aos defensores de direitos humanos, em particular àqueles que enfrentam ameaças e ataques", alertaram.

"Reconhecemos o trabalho realizado pelos investigadores da polícia e promotores bem como o progresso concreto feito nos últimos dias, mas é preciso fazer mais para esclarecer os motivos do ataque e descobrir quem está por trás dele. O Brasil não deve seguir o caminho da impunidade", insistiram os relatores.

"O Estado tem a obrigação de garantir uma investigação completa, independente e imparcial sobre esses assassinatos. Instamos o Brasil a concluir a investigação o quanto antes, levando os responsáveis intelectuais e materiais à justiça e oferecendo reparação e indenização às famílias", apelou o grupo.

O comunicado é assinado por mais de uma dezena de relatores da ONU, incluindo Michal Balcerzak, Agnes Callamard (França), David Kaye (EUA), Clément Nyaletsossi Voule (Togo), Michel Forst (França), Philip Alston (Austrália), Tendayi Achiume (Zâmbia),  Victor Madrigal-Borloz (Costa Rica) e Leilani Farha (Canadá).

Para a ONU, Marielle foi ainda uma "fonte de esperança e inspiração" no Rio de Janeiro e em outros lugares. "Ela trabalhou incansavelmente para promover os direitos das mulheres, a igualdade racial e os direitos das pessoas LGBTI", completou o grupo.

Protesto – Enquanto o comunicado era emitido, brasileiros e organizações locais suíças enfrentaram a chuva e um frio de 3 graus Celsius para protestar diante da sede da ONU. Com cartazes, músicas e flores, o grupo também cobrava respostas em relação aos mandantes do crime que teve uma repercussão internacional.

 

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)