Topo

Jamil Chade

Na ONU, vítimas denunciam tentativa da Vale de se apresentar como...vítima

Jamil Chade

07/03/2019 05h53

GENEBRA – Vítimas de barragens no Brasil e ativistas denunciarão a situação de Brumadinho em eventos na ONU, em Genebra. Nesta quinta-feira, um dos alertas que será emitido se refere à suposta tentativa da Vale de se apresentar também como "vítima" dos desastres.

As entidades esperam que, nos próximos meses, relatores da ONU possam ser autorizados a viajar ao País para examinar a situação e colocar pressão sobre o governo. Brasília indicou que estava disposta a receber os representantes internacionais. Mas até agora não lhes ofereceu uma data para as visitas.

"Viemos dizer que o estado e empresas precisam ser cobrados e punidos pelos crimes cometidos no Brasil. Brumadinho é o resultado do fato de que ninguém foi punido em Mariana", disse Letícia Oliveira, da coordenação nacional dos Movimento dos Atingidos por Barragens e moradora de Mariana (MG).

Nos encontros realizados na ONU, ela e outros ativistas pediram a colaboração internacional para garantir uma maior pressão sobre as autoridades e empresas. "No caso de Mariana, não temos nenhuma casa construída e poucas indemnizações pagas. Isso mostra que nem as empresas e nem o governo consegue fazer o processo de reparação", disse Letícia. "A Vale repete o crime de Mariana em Brumadinho por não ter havido uma punição", insistiu. Para ela, não basta que engenheiros sejam indiciados. "As pessoas que tomam decisões também precisam ser investigadas", defendeu.

Na semana passada, o ministro das Minas e Energia, almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, causou indignação da sociedade civil ao fazer um discurso no Canadá e evitar citar o nome da empresa responsável por Brumadinho.

"O atual governo assumiu o Brasil em uma profunda crise ética, moral e econômica", disse. "Quis o destino que, no início do mandato do presidente Bolsonaro, sofrêssemos um novo e doloroso choque com o rompimento de outra barragem de rejeitos, cujos resultados desastrosos comoveram e abalaram a todos os brasileiros e a comunidade internacional", completou.

Para Letícia, a tentativa de apresentar o caso como um acidente não é novo. "Como em Mariana, querem criar discurso de que empresa também é vítima, que foi um acidente", denunciou. "Na cidade de Mariana, as pessoas invertem os papeis e agora a Vale busca também em Brumadinho", alertou.

"A empresa não pode ser apresentada como apenas agente de desenvolvimento", declarou Manoela Carneiro Roland, coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Empresas.

Em janeiro, os relatores da ONU alertam para os riscos da flexibilização proposta em leis ambientais e pedem que nenhuma nova barragem seja construída ou autorizada até que a segurança esteja garantida.

A declaração foi assinada por Baskut Tuncak, relator da ONU sobre as implicações para os direitos humanos do gerenciamento e disposição de substâncias tóxicas e rejeitos, por Léo Heller, relator para os direitos humanos à água potável segura e ao esgotamento sanitário, pelo grupo de trabalho sobre direitos humanos e corporações transnacionais e por David Boyd, relator da ONU para os direitos humanos e o meio ambiente.

"A tragédia exige responsabilização e põe em questão medidas preventivas adotadas após o desastre da Samarco em Minas Gerais há apenas três anos, quando uma inundação catastrófica de resíduos de mineração próximo a Mariana matou 19 pessoas e afetou a vida de milhões", disseram os especialistas.

"Incitamos o governo a agir decisivamente em seu compromisso de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar mais tragédias desse tipo e levar à justiça os responsáveis pelo desastre", pediram os relatores.

Sobre o autor

Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas e cruzou fronteiras com refugiados e imigrantes, visitou acampamentos da ONU na África e no Oriente Médio e entrevistou heróis e criminosos de guerra.Correspondente na Europa há duas décadas, Chade entrou na lista dos 50 jornalistas mais admirados do Brasil (Jornalistas&Cia e Maxpress) em 2015 e foi eleito melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões (Prêmio Comunique-se). De seu escritório dentro da sede das Nações Unidas, em Genebra, acompanhou algumas das principais negociações de paz do atual século e percorre diariamente corredores que são verdadeiras testemunhas da história. Em sua trajetória, viajou com dois papas, revelou escândalos de corrupção no esporte, acompanhou o secretário-geral da ONU pela África e cobriu quatro Copas do Mundo. O jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparencia Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti.

Sobre o blog

Afinal, onde começam os Direitos Humanos? Em pequenos lugares, perto de casa — tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do indivíduo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica, quinta ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a ação organizada do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior. (Eleanor Roosevelt)